Prémio Nobel da Química 2025: a química que cria “esponjas” para salvar o planeta

 Prémio Nobel da Química 2025: a química que cria “esponjas” para salvar o planeta

(© Johan Jarnestad/Academia Real Sueca de Ciências – nobelprize.org)

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O Prémio Nobel da Química de 2025 foi atribuído ao trio de cientistas que
desenvolveu estruturas metal-orgânicas. (Créditos fotográficos: Reprodução/X –
oglobo.globo.com)

O Prémio Nobel da Química de 2025 celebra uma nova e revolucionária forma de “construção” molecular que tem o potencial de nos ajudar a resolver alguns dos maiores desafios ambientais e energéticos do nosso tempo. Os laureados – Susumu Kitagawa (do Japão), Richard Robson (da Austrália) e Omar Mwannes Yaghi (dos Estados Unidos da América/Jordânia) – foram distinguidos pelo desenvolvimento das estruturas metalorgânicas, mais conhecidas pela sigla MOF (Metal-Organic Frameworks). O que são os MOF?

A química dos blocos de construção

Richard Robson inspirou-se na estrutura do diamante, na qual cada
átomo de carbono está ligado a outros quatro em forma de pirâmide. Em vez de
carbono, ele utilizou iões de cobre e uma molécula com quatro braços, cada um
com uma nitrila na extremidade. Este é um composto químico que é atraído por
iões de cobre. Quando as substâncias se combinaram, formaram um cristal
ordenado e muito espaçoso.  (© Johan Jarnestad / Academia Real Sueca de
Ciências – nobelprize.org)

Imagine que, a nível atómico e molecular, somos capazes de criar estruturas tão porosas e ordenadas quanto as de um diamante, mas com vastas cavidades vazias, como se fosse uma esponja molecular. É, exactamente, isto que os MOF representam.

Essas estruturas são feitas de dois tipos de “blocos de construção” que se unem de forma repetitiva:

  1. “Nós” metálicos: são iões de metais, como o cobre, que funcionam como pontos de ligação.
  2. “Conectores” orgânicos: são moléculas orgânicas que funcionam como “varetas” ou “braços”, ligando os nós metálicos num padrão tridimensional e altamente ordenado.

A beleza dos MOF reside na sua porosidade recorde. Ao ligar estes blocos de forma precisa, os cientistas criaram os materiais mais porosos conhecidos, onde um único grama de MOF pode ter uma área de superfície interna comparável à de um campo de futebol.

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O trio visionário

Em 1997, Susumu Kitagawa conseguiu criar uma estrutura metal-orgânica interseccionada por canais abertos. Estes podiam ser preenchidos com diferentes tipos de gás. O material podia libertar esses gases sem que a sua estrutura fosse afectada.  (© Johan Jarnestad / Academia Real Sueca de Ciências – nobelprize.org)

Em 1998, Kitagawa propôs que estruturas metal-orgânicas pudessem ser tornadas flexíveis. Actualmente, existem inúmeras MOF flexíveis que podem mudar de forma, por exemplo, quando preenchidas ou esvaziadas de diversas substâncias.  (© Johan Jarnestad / Academia Real Sueca de Ciências – nobelprize.org)

Cada um dos cientistas premiados teve um papel fundamental nesta descoberta:

  • o australiano Richard Robson foi um dos primeiros, no final dos anos 80 do século passado, a explorar a combinação sistemática de iões metálicos e de moléculas orgânicas para formar estas redes, embora as suas primeiras criações fossem instáveis;
  • o japonês Susumu Kitagawa demonstrou que as cavidades destas estruturas não eram apenas vazias, mas que podiam, efectivamente, absorver e libertar gases, mostrando que o material era flexível e reativo ao seu ambiente; e
  • o norte-americano Omar Mwannes Yaghi trouxe a estabilidade à tona, criando MOF robustos e estáveis, e desenvolveu uma química de “design racional”, permitindo aos cientistas modificar as “varetas” e os “nós” para criar materiais com propriedades, sob medida, para uma função específica.
Em 1999, Omar Mwannes Yaghi construiu um material muito estável, o MOF-5, que possui espaços cúbicos. Apenas alguns gramas podem conter uma área do tamanho de um campo de futebol.  (© Johan Jarnestad / Academia Real Sueca de Ciências – nobelprize.org)
No início dos anos 2000, Omar M. Yaghi demonstrou que é possível produzir famílias inteiras de materiais MOF. Este cientista variou as ligações moleculares, o que resultou em materiais com propriedades diferentes. Entre elas, estão 16 variantes de MOF-5, com cavidades de tamanhos variados.  (© Johan Jarnestad / Academia Real Sueca de Ciências – nobelprize.org)

Aplicações que moldam o futuro

As cavidades internas gigantescas e a capacidade de personalizar a sua química dão aos MOF um potencial de aplicação transformador.

  • Combate às alterações climáticas: os MOF podem funcionar como filtros super-eficientes para capturar dióxido de carbono (CO2) diretamente da atmosfera ou das chaminés industriais.
  • Água no deserto: uma das aplicações mais impressionantes é a capacidade de recolher água potável do ar do deserto. As estruturas podem ser projectadas para atrair e reter vapor de água, mesmo em condições de baixa humidade, e depois libertá-lo como água líquida.
  • Armazenamento de energia: podem armazenar grandes quantidades de gases, como o hidrogénio, de forma segura e eficiente; o que é crucial para o desenvolvimento de veículos a hidrogénio e outras tecnologias de energia limpa.
  • Medicina e catálise: as suas cavidades podem ser usadas para armazenar e para libertar medicamentos de forma controlada no corpo humano; ou para actuar como catalisadores ultra-selectivos, acelerando reacções químicas essenciais na indústria, tornando-as mais limpas e menos dispendiosas.
O MOF-303 pode capturar vapor de água do ar do deserto durante a noite. Quando o Sol aquece o material pela manhã, é libertada água potável. (© Johan Jarnestad / Academia Real Sueca de Ciências – nobelprize.org)

Ao “criar novas regras para a Química”, nas palavras do Comité do Nobel, os cientistas Kitagawa, Robson e Yaghi forneceram à Humanidade uma poderosa e nova ferramenta para resolver problemas globais. Os MOF abrem a porta para um futuro de materiais inteligentes e sustentáveis, prontos para enfrentar os desafios do século XXI.

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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

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16/10/2025

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António Piedade

Bioquímico e comunicador de Ciência. Publicou centenas de artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de diversos livros de divulgação de Ciência, entre os quais se destacam “Íris Científica” (Mar da Palavra, 2005 – Plano Nacional de Leitura), ”Caminhos de Ciência”, com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011) e “Diálogos com Ciência” (Trinta Por Uma Linha, 2019 – Plano Nacional de Leitura), também prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, a exemplo do já muito popular “Ciência às Seis”, no Rómulo Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra. Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.

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