Qual é a cor do cavalo branco de Napoleão?
Desta brincadeira de infância talvez muitos se lembrem. Não era uma adivinha, era uma espécie de ratoeira, quase uma tautologia, como aquela mais antiga: o que é primeiro, o ovo ou a galinha?
A passagem pelos cinemas do novo filme “Napoleão”, de Ridley Scott, deu muito que falar, colocando sempre a mesma pergunta: um filme baseado numa figura histórica deve ser histórico ou respeitar a História e não se tomar certas liberdades?
Vi o filme e confesso que me desiludiu. Não alcançou o tom épico que pretendia, independentemente dos meios de produção, das cenas de luta e de guerra, bem como da interpretação de um actor que já tem o seu lugar na História do Cinema, Joaquin Phoenix.
Mais do que um filme épico, pareceu-me um filme romântico, baseado, todo ele, na relação quase obsessiva de Napoleão pela sua amada Josefina.
No cinema, muitos actores já encarnaram esta personagem histórica, entre outros, recordo Charles Boyer, Marlon Brando, Herbert Lom e Rod Steiger.
Não esquecendo aquele que foi o primeiro Napoleão no cinema, o actor Albert Dieudonné, no épico filme de Abel Gance, trabalho cinematográfico visionário que introduziu a técnica que, mais tarde, daria origem ao cinerama. Neste filme, uma celebridade teatral, Antonin Artaud, interpretou o papel do revolucionário Jean-Paul Marat. Relativamente a este filme, eu e muitos espectadores temos, apenas, imagens fragmentadas, pois, na sua totalidade, o filme ainda estava a ser restaurado em 2023.
Lembro que, desde 1897, a personagem de Napoleão apareceu em mais de mil produções cinematográficas e televisivas, sendo, provavelmente, a primeira a ser realizada por Louis Lumière (1864-1948) com o título “Entrevue de Napoléon et du Pape” (Papa Pio VII).
No filme de Ridley Scott, aparecem, no entanto, alguns momentos históricos, como a sua ida ao Egipto e o seu diálogo visual e contacto com uma múmia egípcia, em 1801. Há gravações dos momentos do exílio, primeiro, em Elba (no ano de 1814) e, finalmente, em Santa Helena (em 1815).
Há muitas histórias sobre Napoleão, incluindo aquelas que abrangem a saga dos falsos napoleões que surgiram pela Europa e no Mundo!
Independentemente das guerras, dos triunfos e das derrotas, a figura de Napoleão Bonaparte é, sem dúvida, uma das personagens mais importantes e apaixonantes da História de França. E o seu legado é imenso, desde o “Código Napoleónico” às reformas educacionais que lançaram as bases de um moderno sistema educacional na França e em grande parte da Europa, que consiste sistema métrico, introduzido oficialmente em Setembro de 1799. Ou seja, o sistema de medição internacional decimalizado surgiu, pela primeira vez, no contexto da Revolução Francesa.
Napoleão Bonaparte instituiu várias reformas, como a do ensino superior, a nível do código tributário, nos sistemas rodoviários e de esgotos, além de ter estabelecido o Banco de França, o primeiro banco central da história do país. Ele também negociou a Concordata de 1801 com a Igreja Católica (governada pelo Papa Pio VII), que procurava reconciliar a população maioritariamente católica com o seu regime.
Assim, considerando o seu legado histórico no campo político, os historiadores e demais investigadores debatem se Napoleão era um déspota iluminado que lançou as bases da Europa moderna ou um megalomaníaco que causou mais miséria do que qualquer homem antes da chegada de Hitler.
Voltando ao ponto de partida, relembro que Jacques-Louis David (1748-1825) foi o pintor oficial de Napoleão Bonaparte e pintou cinco quadros no qual aparece esta famosa personagem atravessando os Alpes1. Num desses quadros, Napoleão surge com uma capa amarela, num cavalo branco. Noutro quadro da autoria de Jacques-Louis David, em igual pose, observamos um cavalo de tons cinzentos e Napoleão com uma capa vermelha. Porém, numa outra pintura, o cavalo é castanho e Bonaparte está com capa vermelha.
Entre os meus livros, tenho uma biografia de Napoleão do autor francês G. Lenôtre2 (“La Petite Histoire: Napoléon”, colecção “Les Cahiers Rouges”, Grasset, Paris), em que, nos primeiros capítulos, se fala da infância de Napoleão na cidade de Brienne, assim como da sua passagem pelo colégio militar (de 1779 a 1784), onde lemos que Bonaparte, com apenas 10 anos, teria realizado as suas primeiras escaramuças “bélicas”.
Longe deste filme, está um belíssimo retrato da época napoleónica num dos primeiros trabalhos cinematográficos realizados por Ridley Scott, “Os duelistas”, filme de 1977. Na respectiva sinopse, no sítio electrónico Papo de Cinema, lemos: “Durante as guerras napoleônicas, um oficial insulta um companheiro do exército francês e os dois tornam-se inimigos por toda a vida. Nos próximos quinze anos, os caminhos de Gabriel Feraud (Harvey Keitel) e Armand d’Hubert (Keith Carradine) se encontram diversas vezes, fazendo com que eles retomem a disputa em nome da honra e da soberania. Após a derrota de Napoleão, os oficiais se encontram para o último, e definitivo, duelo.” (sic)
Entre as muitas histórias sobre Napoleão, esta final parece ser verídica e está relacionada com uma das nove sinfonias de Ludwig van Beethoven. Quando Napoleão se proclamou Imperador da França, em Maio de 1804, Beethoven ficou revoltado e dirigiu-se até à mesa onde estava a obra já pronta. Então, ele pegou a página-título da Sinfonia n.º 3 e riscou o nome Bonaparte tão violentamente com uma faca que criou um buraco no papel. Mais tarde, ele mudou o nome para “Sinfonia Heróica”, inicialmente, “composta para celebrar a memória de um grande homem”. Quem narra este episodio é Ferdinand Ries3, que foi o seu assistente, na biografia de Beethoven.
Notas:
1 – “Napoleão cruzando os Alpes” (também conhecido como “Napoleão no passo de São Bernardo” ou “Retrato equestre de Bonaparte no monte São Bernardo”). No entanto, “Bonaparte cruzando os Alpes” é o título de cinco versões de um seu retrato pintado a óleo, pelo artista francês Jacques-Louis David, entre 1801 e 1805.
2 – Louis Léon Théodore Gosselin (1855-1935), historiador, escritor e dramaturgo francês que assinou sob o pseudónimo de G. Lenôtre.
3 – Ferdinand Ries era filho de Franz Anton Ries (1755-1846), o qual foi professor de violino de Ludwig van Beethoven, nos anos de 1785 e de 1786.
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28/10/2024