Queremos ser mais saudáveis, senhor primeiro-ministro!
Os últimos dados sobre a carga de doença dos Portugueses (Eurostat, 2022), davam-nos um ratio saúde/doença de 2,5. Ou seja, existiam 25 pessoas saudáveis para 10 doentes. Transposta para a população, existiriam permanentemente à volta de três milhões de pessoas doentes, valor que não andará muito longe do que se virá a registar em 2025.
São sobejamente conhecidas as causas deste valor, sendo que uma delas, senão a principal, reside na política de saúde orientada para a procura e não tanto para a prevenção e para a promoção. São estas as contas que é necessário fazer, uma vez que, em qualquer altura, aquelas pessoas vão precisar de cuidados de saúde.
Com situações mais ou menos graves, dadas as características demográficas da população, é este o universo de que se trata quando é preciso planear a oferta. Este universo não é, exclusivamente, definido pelo número de pessoas que previsivelmente vão precisar de cuidados decorrentes daquele ratio, devem-se-lhe acrescentar as situações ocasionais.
Seria, porém, excessivo defender-se que haveríamos de ter um Serviço Nacional de Saúde (SNS) para atender 10,5 milhões de pessoas, anualmente. O que se sabe (Eurostat, 2023) é que 45% da população portuguesa tem pelo menos uma doença de longa duração, uma doença crónica. Portanto, que vai precisar de cuidados de frequência e de intensidade variável, conforme a gravidade da situação, embora haja, também, problemas crónicos de saúde que se mantêm estáveis durante vários anos, não entrando para o ratio mencionado atrás. Este é, pois, o retrato objectivo da saúde dos Portugueses.
A política de saúde, por sua vez, foi e continua a ser a de privilegiar o tratamento da doença. Considerando o último relatório disponível (Ministério da Saúde, 2019), a produção do SNS terá viabilizado cerca de 70,5 milhões de consultas, das quais 73% terão sido realizadas nos centros de saúde, correspondentes a mais de 51 milhões de atendimentos, contando as consultas de enfermagem. Para o caso, não interessa tanto a média de consultas por habitante, mas a disponibilidade para o atendimento, que será, no caso de cinco consultas para cada habitante.
Na Europa, a amplitude vai de 0,5 (na Roménia) a 9,5 (nos Países Baixos). Para se ter um valor próximo das necessidades de oferta, o seu dimensionamento teria de ser ajustado à carga de doença, que, sendo de natureza variável, teria de encontrar os canais próprios para ser atendida e resolvida. O acontecimento que, desde há décadas, tem vindo a ser objecto de reparos, sem que esteja à vista uma solução duradoura e adequada, é a dimensão hospitalar do SNS; e, nesta, o volume de atendimentos nos serviços de urgência.
De acordo com aquele relatório, 31% da produção hospitalar (6,4 milhões de casos) é realizada nos serviços de urgência – resultando numa ocorrência de 61 casos/100 habitantes –, para 60% de consultas médicas, significando que, para cada três entradas nos serviços hospitalares, uma é feita pelos serviços de urgência. Se levarmos em consideração o valor médio dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, 31 casos/100 habitantes, teoricamente, os centros de saúde haviam de ter capacidade para absorver a cerca de três milhões de ocorrências.
Há que dizer, no entanto, que embora as acções de prevenção da doença e de promoção da saúde devam fazer parte de qualquer política de saúde que tenha como propósito o aumento dos anos de vida saudáveis, elas são só parte da solução. Enquanto se mantiveram as desigualdades sociais ao nível em que o país se encontra, 33,7 na escala de Gini, logo a seguir à Bulgária, à Lituânia e à Letónia, não será possível diminuir a carga de doença e, por conseguinte, a procura de tratamento.
Um país desigual é, por regra, um país com elevada prevalência de pobres. E sabemos que a pobreza anda de mão dada com a doença. Por isso, para que a população passe dos 72% de esperança de vida saudável à nascença para valores próximos dos da Eslovénia ou dos da Itália, será necessário acrescentar 10 pontos percentuais àquele valor. O mesmo é dizer: diminuir a taxa de pobreza. Mas isso não se consegue por iniciativa individual, aguardando que cada um tome isoladamente esse expediente, que tenha melhor rendimento, que se alimente melhor, que disponha de uma habitação condigna, que saiba fazer escolhas saudáveis e que evite o tabagismo e o alcoolismo.
Todos estes determinantes, e outros tantos, conseguem-se através da acção colectiva, em que o Estado tem um papel insubstituível. Também não se conseguem obter resultados no curto prazo, não servindo, por isso, de bandeira eleitoral, que esvoaça, por regra, durante quatro anos. Na ausência de catástrofes, naturais ou induzidas, a tendência do processo histórico é para melhorar as condições de vida dos povos. Mas, se existe conhecimento bastante para contornar as vicissitudes dessa caminhada, por que não o aproveitar, a não ser por inconfessáveis razões, que deveriam ser colocadas à discussão? Não olhar para as circunstâncias dos problemas é o mesmo que não se ver para além da ponta do nariz.
.
06/01/2025