Recuperar a confiança nas palavras impressas

 Recuperar a confiança nas palavras impressas

(portosecreto.co)

(*)

Não resisto a uma montra de alfarrabista. Perco-me a olhar para os livros expostos sempre com vontade de descobrir algum que salte da exposição e satisfaça o meu desejo de comprar livros e ou outras publicações.

Nos alfarrabistas, encontro livros que as livrarias vocacionadas para vender as novidades editoriais já não oferecem. Nestas livrarias, um título com mais de um mês é considerado um mono potencialmente indisponível.

(welovecampodeourique.com)

Um mono destes, ou seja, uma mercadoria sem saída comercial, pode ser, num moderno supermercado de livros, relativamente recente, uma edição de “Viagens na Minha Terra”, narrativa que me apaixona ao ponto de ter adquirido várias edições desta reportagem de Almeida Garrett.

Também sou capaz de comprar primeiras páginas de jornais antigos. Tenho, por exemplo, a primeira página de O Primeiro de Janeiro, de 24 de Junho de 1955, toda ela ilustrada com uma gravura de Laura Costa, assinalando o São João. Em 1955, o jornal custava 80 centavos. Só a primeira página, comprada já no século XXI, foi bem mais cara.

(Direitos reservados)

Há dias, num alfarrabista onde sou cliente, comprei um livro de Manuel Maria de Sousa Calvet de Magalhães – “Aprenda a Desenhar”, edição de 1956 do Plano de Educação Popular e da Campanha Nacional para a Educação de Adultos (CNEA), desenvolvidos no Estado Novo –, tendo sido surpreendido com a seriedade profissional do alfarrabista, que fez questão de confirmar se o livro tinha a página inicial com uma citação de Oliveira Salazar.

As edições do chamado Plano de Educação, no Estado Novo (regime político ditatorial e corporativista que vigorou em Portugal), abriam com essa citação de Salazar, mas muita gente arrancou essa folha inicial, mutilando os respectivos exemplares que assim deixavam de ser um testemunho completo daquilo que foram historicamente. Esta vingança inconsequente é também um acto de desinformação.

Antiga rotativa do jornal brasileiro “O Globo”. (oglobo.globo.com)

A tradicional força da palavra impressa em papel, um dos pilares da nossa cultura bibliográfica, pode perder a sua pujança fundamental, se vier a ser vítima do devastador vírus da mentira, que está na base da generalizada pandemia da desinformação. Isto justifica o combate sem tréguas à desinformação e a promoção da confiança na palavra impressa, nomeadamente no jornalismo.

Este é, aliás, um dos objectivos do programa de promoção da literacia mediática que tem vindo a ser desenvolvido na Imprensa, com múltiplos artigos sobre a Cultura, a Ciência e a Tecnologia, para recuperar a confiança no jornalismo e nos jornalistas e, por esta via, contribuir para combater a pandemia da desinformação.

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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

14/11/2022

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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