“Super-poderes”
(*)
Sentado junto à grande e luminosa janela da sala de aula, Francisco olhava para o céu azul, enfeitado com pássaros e aviões, no seu voo constante. O professor José interrompeu o movimento dos olhos vivos e curiosos do menino:
— Francisco, então essa concentração? A janela deve ter feitiço! Não despregas os olhos dela!
Apanhado na curva do olhar, Francisco não escondeu o embaraço.
— Desculpe! – disse ele.
E, ganhando alguma coragem, resolveu partilhar um pouco do seu devaneio.
— Ainda agora passou um avião! Para onde iria? Há tantos lugares no Mundo e devem ser tão diferentes uns dos outros!
O professor sorriu perante a observação do menino e explicou que, no Mundo, existem lugares com culturas muito diferentes, mas que a Humanidade é como uma comunidade gigante e única. Depois, o professor contou uma história de um menino que vivia num lugar onde as crianças não tinham salas de aula, nem cadeiras nem livros, e muito menos computadores.
A escola daquele lugar era tão invulgar que o seu teto era a copa de uma árvore. Tinha muito poucas coisas – coisas quase nenhumas –, mas aquela escola era como o chão pobre e seco onde as sementes lançadas, por magia, germinam e dão frutos. Ali, todos tinham muita vontade de aprender.
Esta e outras histórias lhe contava o professor José. Francisco e os colegas partiam para terras longínquas e faziam fascinantes viagens no tempo. Nessas ocasiões, o professor acionava o mecanismo especial de transporte e lá iam eles à descoberta, deslumbrados pelas revelações emocionantes sobre este extraordinário mundo. Era um mecanismo de transporte feito de palavras, entenda-se, mas as palavras do professor transformavam-se rapidamente em imagens coloridas, animadas por sons, odores e até sabores. É que as palavras têm super-poderes!
Chegado o momento do recreio, o menino aproveitava cada minuto para brincar com os colegas, particularmente com o amigo João. A bola é que não podia faltar. Felizmente, havia espaço para jogar e, numa grande algazarra, Francisco e João formavam equipas e jogavam com grande entusiasmo. Os momentos de brincadeira eram assim aproveitados ao máximo, alegrando especialmente as crianças.
Naquele dia, ao chegar a casa, o menino levava consigo algum cansaço. Pequeno, por entre os prédios do bairro, com a mochila mais pesada do que o seu corpo gostaria, mal conseguia ver o céu azul tão convidativo na aula do professor José. Os carros, os elétricos e os aviões passavam ressoando sons estridentes. O olhar de Francisco detinha-se, por vezes, em pormenores que lhe causavam surpresa. Reparou que algumas pessoas caminhavam com um olhar vago e distante, como se fossem para lado nenhum. Outras apressavam o passo determinadas, não olhando para nada nem para ninguém.
“Como podem as pessoas ser tão indiferentes ao que as rodeia?”, interrogava-se. Depois, uma ideia espreitou: “Estas pessoas parecem máquinas programadas!” E, enquanto caminhava e olhava em redor, ia dizendo para si próprio que não gostaria mesmo nada de ser uma máquina programada. Já estava imaginando um mundo de robôs, ele próprio um robô articulando o seu corpo com movimentos de rotação e de translação, produzindo sons e acendendo dispositivos luminosos. Quase divertido, só não gostava da ideia de ser programado, pois, sem liberdade e sem sentimentos, a vida perde a piada.
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(*) In “A Oliveira Mágica”
09/01/2023