Telemóveis na sala de aula: sim ou não?

 Telemóveis na sala de aula: sim ou não?

(Créditos fotográficos: Ernesto Eslava – Pixabay)

O tema que, hoje, escolhemos – “Telemóveis na sala de aula: sim ou não?” – está na ordem do dia, seja a nível nacional, seja no plano internacional. A polémica é grande e o consenso não parece ser fácil. Mas, mais do que o consenso, temos de exigir o bom senso.

Informações recentes dizem-nos que, em alguns países, como, por exemplo, nos Países Baixos e na Finlândia, os telemóveis, tablets e outros dispositivos electrónicos vão ser banidos das salas de aula já a partir de Janeiro de 2025. E o mesmo vai acontecer nas escolas públicas de Nova Gales do Sul, na Austrália, onde se considera que estes dispositivos são uma “distracção desnecessária”.

A taxa de conexão à Internet é altamente desigual. (pessoas2030.gov.pt)

Sucede o mesmo no Brasil, o país onde existem mais casos de cyberbullying, onde o seu uso foi proibido nas escolas da rede municipal do Rio de Janeiro, pós uma consulta pública, na qual 83% dos entrevistados foi favorável a tal medida. E ainda aconteceu noutros estados brasileiros como Roraima, Paraná, Maranhão, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Tocantins e São Paulo.  Também podemos acrescentar, a esta lista de países, outros que já baniram ou que têm políticas de restrição sobre o uso de telemóveis  nas escolas.  São os casos dos Estados Unidos da América, da França, da Espanha, do México, da Suíça, da Escócia, do Canadá e do Chipre. E, para remate, podemos indicar a consulta do Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023, divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o qual informa que quase um quarto dos países proibiram os smartphones.

(poch.portugal2020.pt)

No caso de Portugal, podemos ainda hoje invocar o Estatuto do Aluno (Lei n.º 51/2012, de 5 de Setembro) que, no seu Artigo 10.º (Deveres do aluno), alínea r),  refere que o aluno não deve “utilizar quaisquer equipamentos tecnológicos, designadamente, telemóveis, equipamentos, programas ou aplicações informáticas, nos locais onde decorram aulas ou outras a[c]tividades formativas ou reuniões de órgãos ou estruturas da escola em que participe, exce[p]to quando a utilização de qualquer dos meios acima referidos esteja dire[c]tamente relacionada com as a[c]tividades a desenvolver e seja expressamente autorizada pelo professor ou pelo responsável pela dire[c]ção ou supervisão dos trabalhos ou a[c]tividades em curso”.

(Créditos fotográficos: 杰 肖 – Unsplash)

Uma vez que esta lei é de 2012, legitimamente, podemos perguntar se ela não precisa de ser reformulada. E porquê? Porque, de facto, as opiniões dividem-se. Assim, para alguns, os telemóveis podem ser uma ferramenta muito útil no processo de ensino na sala de aula, porque são excelentes fontes de consulta e de esclarecimento. Como se costuma dizer, os telemóveis de hoje, com o acesso fácil à Internet, são autênticas enciclopédias de consulta sobre qualquer tema. Porém, outros defendem que não devem ser permitidos, porque funcionam, sobretudo, como distractores e podem, ainda, ser usados para fins inadequados. Sabemos também que nem todas as escolas de Portugal usam o mesmo procedimento. E são conhecidos casos de escolas que permitem o seu uso na sala de aula, desde que seja para fins educativos. Outras escolas permitem, apenas, o seu uso nos intervalos. E outras são mais drásticas e proíbem totalmente, seja nas aulas seja nos intervalos das aulas. Esta proibição total é mais frequente nos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo.

João Costa, ex-ministro da Educação. (portugal.gov.pt)

Em Setembro de 2023, João Costa, professor catedrático e ministro da Educação do XXIII Governo, declarou que se tratava de um tema complexo. Por isso, pediu um parecer ao Conselho das Escolas. Tal parecer, elaborado no final de Outubro, recomendava  que fossem as escolas a decidir “pela imposição ou não de restrições à utilização do telemóvel no espaço escolar”, embora os conselheiros tivessem defendido, claramente, a não proibição.

No presente ano lectivo, o Governo decidiu avançar com uma recomendação, às escolas, no sentido de proibirem o uso de telemóveis dentro do espaço escolar por crianças até aos 12 anos de idade, isto é, que frequentam os 1.º e 2.º ciclos. Não será uma proibição, mas uma recomendação. E a ideia é que a questão seja reavaliada dentro de um ano. Relativamente aos alunos dos ciclos seguintes, que são mais velhos, os procedimentos poderão ser diferentes e compete a cada escola avaliar a situação.

(wohum.org)

Este problema preocupou, como já dissemos, a UNESCO, tendo, no seu Relatório de 2023 sobre a tecnologia na educação, defendido a limitação do uso de telemóveis nas escolas. A UNESCO apresenta dois argumentos centrais: as crianças devem ser protegidas contra episódios de cyberbullying, porque os telemóveis podem ser usados para intimidar ou para assediar outros alunos. Assim, deve ter-se em conta as perturbações na sala de aula, uma vez que os telemóveis podem ser uma distracção, prejudicando a concentração e a aprendizagem.

No entanto, o mesmo relatório da UNESCO destaca, igualmente, alguns aspectos positivos, reconhecendo que “as tecnologias têm o potencial de aumentar a inclusão, já que alcançam os estudantes desfavorecidos e difundem mais conhecimento em formatos mais atraentes […]”. Além disso, em certos contextos e para alguns tipos de aprendizagem, ela pode melhorar a qualidade do ensino e favorecer a aprendizagem de habilidades básicas, concluindo que  “a tecnologia digital também pode apoiar a gestão e aumentar a eficiência, ajudando a lidar com volumes maiores de dados educacionais”.

As crianças devem ser protegidas contra episódios de cyberbullying. (welivesecurity.com)

Por isso, a UNESCO recomenda que a utilização de telemóveis nas escolas seja exclusivamente limitada às actividades curriculares. Todavia, nos casos em que se perceba que esta integração não beneficia a aprendizagem ou que perturba o funcionamento das aulas, deve mesmo ser proibida.

(area.dge.mec.pt)

Acreditamos que ninguém de bom senso pode negar que os telemóveis podem ser uma ferramenta útil no processo de ensino e de aprendizagem, porquanto permitem aos alunos: aceder a informação de forma rápida e fácil; colaborar em projectos com outros alunos; comunicar com os professores e colegas; aprender de forma autónoma; desenvolver competências digitais. Mas, como é claro, também se podem apontar algumas contra-indicações: facilitam a distracção; provocam falta de concentração; permitem cyberbullying; permitem acessos a conteúdos inapropriados, nomeadamente, à pornografia; induzem a erro pela vastidão das falsas notícias; provocam dependência online. E nem será preciso invocar que seriam fonte de “copianço” nos momentos de avaliação oral ou escrita, realizados nas aulas. E sobre esta matéria, recordamos que as normas de exames, publicadas anualmente pelo Júri Nacional de Exames, desde há muitos anos, são claras quanto à proibição do uso dos telemóveis em situações de exame.

(Créditos fotográficos: David Dvořáček – Unsplash)

Não temos qualquer dúvida de que estamos em presença de uma matéria que exige grande reflexão, mas, principalmente, bom senso. Li, recentemente, uma entrevista ao físico espanhol Carlos Magro Mazo, especializado em assuntos da Educação, na qual considera que a questão está mal colocada, quando se pergunta de devemos permitir ou proibir os telemóveis na escola. Segundo ele, dado o impacto que podem ter nas aprendizagens, a questão a colocar é “Como regular o seu uso?”.  

Para Carlos Magro Mazo, após três décadas em que colocámos a esperança nas tecnologias, acreditando que elas nos ajudassem a melhorar a escola, está na hora de concluir que isso foi uma promessa incumprida, apesar de algumas mudanças resultantes. Por isso,ele alega que proibir os telemóveis na escola é, apenas, uma medida populista. Assim, julga ser necessário que os docentes tenham autonomia para decidir que os telemóveis possam ser usados com fins educativos.

Físico espanhol Carlos Magro Mazo. (clarin.com – jfborges.wordpress.com)

O mesmo autor defende ainda, nessa entrevista, uma ideia que merece a nossa total concordância:  a escola é o único lugar que temos que pode ensinar a usar bem e responsavelmente as novas tecnologias. De facto, é cada vez mais necessário que a escola ensine a usar bem estes meios nas aulas, para que, depois, o seu uso fora do ambiente escolar seja cada vez melhor. Contudo, não tenho dúvidas de que este assunto ainda vai fazer correr muita tinta e que o tal consenso que se impõe poderá nem sempre ser fácil.

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Nota da Redacção:

Este artigo, agora reformulado pelo autor, foi recentemente publicado no Jornal Mirante (de Miranda do Corvo).

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10/10/2024

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José Vieira Lourenço

José Vieira Lourenço é da colheita de Agosto de 1952. Estudou Teologia e fez a licenciatura e o mestrado em Filosofia Contemporânea, na Universidade de Coimbra. Professor aposentado do Ensino Secundário, ensinou Português, Filosofia, Psicologia, Sociologia, Teatro e Oficina de Expressão Dramática. Foi, igualmente, professor do Ensino Superior, na Universidade Católica de Leiria e no Instituto Superior Miguel Torga, em Coimbra. Foi ainda coordenador do Centro da Área Educativa de Coimbra (1998-2002) e só então conheceu verdadeiramente a classe docente. Descobriu bem cedo a sua paixão pela poesia, pela literatura, pela música e pelo Teatro. Foi Menino Jesus aos quatro meses no presépio vivo da sua freguesia. Hoje, como voluntário, dirige o Grupo de Teatro O Rebuliço da Associação Cavalo Azul e também o Grupo de Teatro de Assafarge. Canta no Coro D. Pedro de Cristo, em Coimbra. Apaixonado pela Natureza, gosta de passear a pé pelos trilhos da Abrunheira, na companhia do seu cão. Dedicado às causas da cidadania, é dirigente do Movimento Cidadãos por Coimbra, que insiste em fazer propostas para criar uma cidade diferente. Casado, tem duas filhas e uma neta, a quem gosta de contar histórias.

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