UE está a sentir o impacto da nova subida dos preços da energia

 UE está a sentir o impacto da nova subida dos preços da energia

(Créditos fotográficos: Nathan Neve – Unsplash)

(Créditos fotográficos: Kwon Junho – Unsplash)

Nova subida dos preços da energia está a ter impacto na União Europeia (UE) e as circunstâncias de guerra podem induzir novas subidas.

Segundo o Eurostat, o gás atingiu o seu custo mais elevado de que há registo, no segundo semestre de 2024. E a taxa média é, agora, de 12,33 euros por 100 kWh (quilowatts-hora), contra 11,04 euros, no primeiro semestre de 2024.

Matriz energética da EU. (eea.europa.eu)

Foi também a primeira vez que os preços subiram, na UE, após a crise energética de 2022. Todavia, ao contrário de há três anos, quando a guerra na Ucrânia e o corte nas importações de gás russo (de 45%, em 2021, para 13%, em 2025) fizeram disparar os preços, desta vez, os impostos são os principais responsáveis pelo aumento. “O aumento deve-se, em grande parte, ao aumento dos impostos em muitos países da UE, uma vez que as anteriores medidas de alívio foram reduzidas”, considera o Eurostat.

Por outro lado, tanto nos países da UE, como nos países terceiros, são enormes as diferenças de preços. Estes vão de 18,93 euros por 100 kWh, na Suécia, e 16,71 euros, nos Países Baixos, a 1,73 euros, na Geórgia, 2,13 euros, na Turquia, 3,15 euros, na Hungria, 4,56 euros, na Croácia, 4,92 euros, na Sérvia, 5,13 euros, na Bósnia-Herzegovina, e 5,41 euros, na Roménia.

Nenhum dos países com os preços de gás mais baratos – excluindo a Croácia e a Roménia – cortou o fornecimento de gás russo.

(Créditos fotográficos: Wolfgang Weiser – Unsplash)

A situação é ligeiramente diferente, quando se tem em conta o poder de compra efetivo. Na UE, Portugal e Itália são, de facto, os países que pagam mais pelo gás natural. Já a Croácia e a Roménia podem reduzir a sua dependência da Rússia e manter os preços baixos, graças a estratégias energéticas ambiciosas de longo prazo.

O terminal crucial de gás natural liquefeito da Croácia em Krk ficou operacional em 2021, mas, agora, o país planeia aumentar a produção de gás em 82%, nos próximos três anos.

A Roménia é um dos países mais independentes da UE, em termos energéticos, e está a planear tornar-se completamente autónoma, em termos de gás.

O projeto Neptune Deep offshore é fundamental. Tem como objetivo duplicar a produção romena de gás e prevê-se que esteja operacional em 2027.

Rússia (Créditos fotográficos: Diana Kereselidze – Unsplash)

A crise energética foi desencadeada com a guerra na Ucrânia, iniciada a 20 de fevereiro de 2022, mercê da economia de guerra que se instalou e, sobretudo, das sanções económicas impostas à Rússia pela UE, aliás, como o dito Ocidente (com destaque para o Canadá e para o Reino Unido), designadamente, as atinentes à renúncia da UE à dependência energética europeia da Rússia e, posteriormente, à não renovação do contrato da Ucrânia com a Rússia sobre a passagem de gás russo pela Ucrânia para alguns países do Leste europeu. E, as sanções, em vez de enfraquecerem a economia russa, porque o país encontrou, rapidamente, novos clientes, o que lhe permitiu afinar a máquina de guerra, abateu-se, por ricochete, sobre as economias mais frágeis da UE.    

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Não obstante, a UE fixou o ano de 2027 como a data-limite para os 27 estados-membros, do interior ao litoral, eliminarem, gradualmente, todas as compras de energia russa, nomeadamente, os carregamentos de gás natural liquefeito (GNL) que continuam a chegar às costas do bloco, apesar da guerra brutal na Ucrânia. Numa primeira fase, ocorrerá a proibição de contratos novos e de curto prazo, até ao final de 2025; e, na segunda fase, os contratos de longo prazo, que representam dois terços do gás russo, serão rescindidos até ao final de 2027.

Gás natural liquefeito. (pt.wikipedia.org)

Serão introduzidas novas restrições para reprimir a frota sombra que transporta, secretamente, o petróleo russo e para impedir as importações de urânio russo e de outros materiais nucleares. E cada estado-membro será convidado a elaborar um plano nacional que especifique a forma como tenciona retirar do seu cabaz energético o gás, o nuclear e o petróleo russos.

Todas as medidas constam de uma estratégia global, apresentada pela Comissão Europeia, na tarde de 6 de maio. Porém, o roteiro, que precisa de ser plasmado em textos legislativos, estava previsto para os primeiros 100 dias da nova Comissão, mas foi adiado, várias vezes, devido à incerteza sobre o impulso de Donald Trump para lançar negociações entre a Ucrânia e a Rússia.

A retoma das compras de energia russa foi apresentada como possível condição para um futuro acordo de paz. Com a sua estratégia, Bruxelas exclui a ideia e institui as salvaguardas necessárias para, definitivamente, atirar os combustíveis fósseis russos para o passado.

“Mesmo que houvesse paz, amanhã, não seria sensato ficarmos, novamente, dependentes dos combustíveis russos”, afirmou Dan Jørgensen, comissário europeu para a Energia, esclarecendo: “Antes de mais, [Vladimir] Putin mostrou que não se importa de utilizar o gás como arma. Não devemos voltar a colocar-nos numa posição vulnerável como essa. E, em segundo lugar, não queremos encher o seu baú de guerra e apoiar a sua economia de guerra, porque quem sabe que países serão os próximos.”

Dan Jørgensen, comissário europeu para a Energia.
(elections.europa.eu)

O consumo de energia russa tem estado no centro do debate político, desde o início da invasão da Ucrânia, quando a UE se viu a contar com a sua dependência de vários milhares de milhões de euros de Moscovo. Em reação, Bruxelas aprovou medidas sem precedentes para cortar as importações de carvão russo e de petróleo marítimo, mas o gás, grande fonte de receitas para o Kremlin, permaneceu visivelmente poupado às sanções.

Em 2024, a UE comprou 31,62 mil milhões de metros cúbicos (bcm) de gás russo por gasoduto e 20,05 bcm de GNL russo, o que representa 19% do consumo total de gás, mas o petróleo bruto russo passa pelo oleoduto Druzhba, isento de sanções, devido à pressão húngara.

No total, a UE gastou cerca de 23 mil milhões de euros em combustíveis fósseis russos, em 2024, superando o apoio militar prestado à Ucrânia, o que tem sido longa fonte de fricção entre os estados-membros, que, apesar dos constantes apelos de Kiev, nunca conseguiram chegar a um consenso para eliminar, totalmente, a energia russa.

(Fonte: Financial Times – esquerda.net)

No início deste ano, dez países da UE – a Chéquia, a Dinamarca, a Estónia, a Finlândia, a Irlanda, a Letónia, a Lituânia, a Polónia, a Roménia e a Suécia – assinaram carta conjunta a exigir a proibição total do gás russo, incluindo as importações de GNL, pois a capacidade da Rússia para sustentar o esforço de guerra está muito ligada às suas receitas energéticas. Em contraponto, a Hungria e a Eslováquia cerraram fileiras para se oporem às sanções, aduzindo que isso poria em perigo as suas economias nacionais e a competitividade da UE.

Os dois países sem litoral reagiram furiosamente, quando o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, rescindiu o contrato com a Gazprom, fazendo cessar o trânsito de gás russo, através do território do seu país, no final de 2024. Porém, a Comissão Europeia absteve-se de criticar a medida de Zelenskyy, pois esta contribuiu para acelerar a eliminação progressiva. E o TurkStream, que atravessa a Turquia, rumo aos Balcãs e à Europa Central, é o único gasoduto que transporta gás russo para a UE, tendo os fluxos através dos gasodutos Nord Stream e Yamal-Europe cessado em 2022.

(eurodefense.pt)

Como afirmou Jørgensen, as novas proibições serão adotadas por maioria qualificada, ao invés das sanções, que requerem a unanimidade, mas importando que todos cumpram.

Enquanto as compras de gás russo por gasoduto caíram para mínimos históricos, os navios que transportam GNL russo continuam a entrar nos terminais da UE, em volumes ainda maiores, sem qualquer impedimento, causando engulhos a Bruxelas.

De acordo com o Centro de Investigação sobre Energia e Ar Limpo (CREA), as importações de GNL russo pela UE, em 2024 aumentaram 9%, em relação a 2023. Quase 90% destas compras chegaram à França (7,7 bcm), à Espanha (5,7 bcm) e à Bélgica (5,1 bcm).

A União Europeia quer acabar com a dependência da energia
russa. (Créditos fotográficos: Dati Bendo – pt.euronews.com)

A ausência de restrições permitiu que as empresas europeias assinassem, livremente, contratos com os fornecedores russos, alguns dos quais com duração até 2040. Com efeito, a Rússia, que está altamente dependente do mercado da UE, para as exportações de gás, forneceu 52% das suas receitas de exportação de GNL.

Elisabetta Cornago, investigadora principal do Centro para a
Reforma Europeia. (cer.eu)

De acordo com o plano da Comissão Europeia, a proibição de comprar gás russo será suficiente para as empresas da UE declararem força maior e libertarem-se de compromissos legais. No entanto, a opção corre o risco de ser contestada em tribunal, podendo resultar em sanções pesadas para os Europeus. Com efeito, segundo a Reuters, os litígios judiciais entre empresas da UE e fornecedores russos ascendem já a 18,5 mil milhões de euros. Para Elisabetta Cornago, investigadora principal do Centro para a Reforma Europeia (CER), o método mais seguro para invocar a força maior e desafiar os processos em tribunal seria a aprovação de sanções a nível da UE, mas as posições da Hungria e da Eslováquia tornam isso impossível.

A apresentação do novo plano de proibições ocorre numa altura em que acontecem negociações comerciais entre a Comissão Europeia e a Casa Branca. Donald Trump lançou a ideia de aumentar as vendas de GNL de fabrico americano para reequilibrar o excedente de bens com a UE.

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Robert Fico, primeiro-ministro da Eslováquia. (pt.wikipedia.org)

Robert Fico, primeiro-ministro da Eslováquia, criticou o plano da UE para acabar com as importações de gás natural russo, até ao final de 2027, para privar o presidente Vladimir Putin das receitas que ajudam a alimentar a guerra na Ucrânia, considerando o plano “absolutamente inaceitável” para o seu país e dizendo que o seu governo estava pronto para o vetar. Isto, porque, na sua ótica, a medida seria prejudicial para a Eslováquia e para toda a UE, uma vez que o preço do gás aumentaria em consequência. Por outro lado, a Eslováquia tem um acordo de fornecimento de gás com a Rússia que expira em 2034, o que levará Fico a pedir indemnização por danos, se o plano for avante. E Fico também rejeitou uma proposta de suspensão das importações de petróleo e de combustível nuclear da Rússia para a UE.

Todavia, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse ao Parlamento Europeu (PE), a 7 de maio, em Estrasburgo, que a Rússia provou, repetidamente, não ser fornecedor de energia fiável, sendo a dependência do país má para a segurança e para a economia europeias.

A Hungria e a Eslováquia, cujos líderes são considerados os aliados mais próximos de Putin na Europa, bloquearam a assistência militar da UE à Ucrânia e esperava-se que se opusessem aos planos de gás da Comissão Europeia, como efetivamente se opõem.

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Ursula von der Leyen excluiu, inequivocamente, a possibilidade de retoma da compra de combustíveis fósseis russos, após o fim da guerra na Ucrânia, advertindo que isso representaria um “erro de dimensões históricas” para a Europa. “A era dos combustíveis fósseis russos, na Europa, está a chegar ao fim”, declarou aos eurodeputados em Estrasburgo.

A sua recusa categórica surge a par do esforço de Donald Trump para chegar a acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia, tentativa que tem visto a Casa Branca acolher muitos pontos de vista do Kremlin, como as reivindicações sobre a Crimeia e sobre os territórios ocupados.

A diplomacia de Trump alimentou a especulação de que a energia russa poderia fazer parte de um futuro acordo, dado o papel fundamental das exportações de combustíveis fósseis no orçamento de Moscovo e o desejo de Vladimir Putin de reanimar a sua precária economia.

(Créditos fotográficos:  Leo Sokolovsky – Unsplash)

Durante décadas, a UE foi o maior cliente da Rússia, mas esta relação comercial colapsou no início de 2022, com a invasão russa da Ucrânia e com a UE a adotar medidas inéditas para reduzir o consumo de combustíveis fósseis russos, incluindo proibições abrangentes sobre o carvão e o sobre o petróleo transportado por via marítima.

(maisliberdade.pt)

Com os responsáveis norte-americanos a apontarem para o alívio das sanções, como incentivo ao presidente russo para aceitar um cessar-fogo duradouro, o que este vem recusando, o conjunto de medidas impostas pela UE está prestes a ser analisado. Assim, para o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, a aproximação entre Washington e Moscovo abordou o futuro dos gasodutos Nord Stream, que ligam a Rússia à Alemanha e que estão fechados.

“Provavelmente, será interessante, se os americanos usarem a sua influência na Europa e a obrigarem a não recusar o gás russo”, destacou Lavrov, no final de março.

Porém, Ursula von der Leyen traçou uma linha vermelha sobre o tema. “Há quem continue a dizer que devemos reabrir a torneira do gás e do petróleo russos. Isso seria um erro de dimensões históricas. E nós nunca o permitiremos”, afirmou, lembrando que “a Rússia já provou, vezes sem conta, que não é um fornecedor fiável”, visto que Vladimir Putin já cortou os fluxos de gás para a Europa, em 2006, em 2009, em 2014, em 2021 e durante a guerra.

Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov.
(upload.wikimedia.org)

Com o objetivo de colmatar as lacunas existentes, a Comissão Europeia apresentou um roteiro ambicioso para eliminar todas as aquisições de energia russa, incluindo o GNL, o petróleo e os materiais nucleares, o mais tardar até ao final de 2027. Este novo plano prevê uma proibição das importações de gás russo, que as empresas da UE utilizarão para invocar força maior e quebrar os contratos de longo prazo com os fornecedores (estes contratos são regidos por cláusulas de take-or-pay que implicam pesadas sanções em caso de incumprimento).

Ao invés das sanções, cuja aprovação requer unanimidade e são vulneráveis a vetos nacionais, as proibições ao gás russo basear-se-ão na política energética e comercial, que requer uma maioria qualificada. A Hungria e a Eslováquia, dois países sem litoral, que dependem de Moscovo,  já criticaram o roteiro, sustentando que poria em risco a competitividade da UE.

Ursula von der Leyen manteve-se fiel à sua estratégia,
descrevendo-a como um elemento indispensável para garantir
uma paz justa e duradoura na Ucrânia. (europarl.europa.eu)

No seu discurso ante o PE, instituição que defende, há muito, a eliminação total dos combustíveis russos, Ursula von der Leyen manteve-se fiel à sua estratégia, descrevendo-a como um elemento indispensável para garantir uma paz justa e duradoura na Ucrânia. “Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para reforçar a posição da Ucrânia. Porque todos nós já vimos como a Rússia negoceia. Bombardeando. Intimidando. Enterram as promessas debaixo de escombros”, afirmou, vincando que Moscovo “quer forçar a Ucrânia a aceitar o inaceitável”, pelo que a tarefa, neste ponto, é ajudar a Ucrânia a manter-se forte, a desafiar Vladimir Putin e a iniciar conversações de paz sem condições prévias.

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Está visto. Para a UE, a obsessão de cercear a ação da Rússia sobrepõe-se a tudo: criação de outras dependências, quiçá tão ou mais onerosas; aumento do custo de vida, pelo preço dos produtos ou pela carga fiscal; eliminação dos combustíveis fósseis, sem cuidar do custo das fontes alternativas de emergia ou sem ter em conta as pessoas de carteira quase vazia. 

Estimular o setor das energias renováveis na Europa. (europarl.europa.eu)

Enfim, hoje, somos forçados a renunciar aos combustíveis fósseis. Teremos, amanhã de renunciar ao lítio, à platina, ao ouro, ao Sol, ao vento, ao mar? Talvez o melhor seja a utilização variada e equilibrada dos recursos. Na guerra não vale tudo e a experiência mostra-o!

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15/05/2025

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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