25 minutos de um sábado

 25 minutos de um sábado

(Créditos fotográficos: Anthony Delanoix – Unsplash)

Sábado, início da noite. Havíamos chegado do supermercado. Enquanto um guardava as compras, o outro adiantava o jantar. Afinal, tem coisa pior que ir ao supermercado com fome? Focados na nossa tarefa alimentar e organizacional para, finalmente, nos sentarmos no sofá e aproveitarmos o descanso merecido ao terminar o dia desse sábado.

(Créditos fotográficos: Sofia Vila Flor – Unsplash)

A campainha toca, há batidas na porta, desligamos o fogão, mas deixamos o forno ligado. Afinal, era só para ver o que se passava. Espiámos no olho mágico e não vimos nada. Abrimos a porta, mas ninguém estava lá. Saímos para tentar entender o que se passava. Então, o inesperado acontece. Um barulho forte, um susto. Olhámos para trás e a porta havia sido fechada com aquele delicioso vento fresco que, felizmente, entra pela janela, nesses dias de verão.

“O forno estava ligado”, foi o meu primeiro pensamento.

Nos olhámos. Eu de meia, ele de pé descalço, sem celular, sem chave, sem lenço e nem documento. Desespero total. Começámos a tocar todas as campainhas do prédio, uma a uma com pedidos de ajuda. Por fim, no andar de cima, duas almas desocupadas em pleno sábado atendem e tentam perceber as minhas falas desconexas e preocupadas com o tal do forno. Chaveiro, porta fechou, forno ligado, vento forte, falta de chave… Era mais ou menos assim a única e possível construção léxica que eu conseguia desenvolver naquele momento.

Sabiamente, o vizinho sugeriu os bombeiros ao invés do chaveiro. Pelo menos, chegaria mais rápido. Afinal, o forno estava ligado!

(pt.wikipedia.org)

Fomos para a porta do prédio. Manter-me quieta era quase impossível, o forno não saía da minha cabeça. Os meus braços se mexiam sem a minha vontade, meus pés pulavam com a adrenalina de quem não sabia o que fazer. De repente, passámos a escutar o barulho de uma sirene. O que é comum onde moramos. Por uns instantes, pensei: “Será?” E sim. Era ele, o enorme, imponente e salvador caminhão vermelho.

Nunca pensei passar por essa situação na minha vida.

Era difícil acreditar naquela cena. Porém, o mais importante, naquele momento, na minha cabeça era: “O forno estava ligado!” E, claro, o sentimento de culpa por mobilizar os bombeiros para uma situação que, até agora, parece inacreditável.

Eles subiram, calmos e receptivos aos nossos pedidos de desculpas. De facto, nós estávamos envergonhados. Em cinco minutos, abriram a porta e conferiram o forno. Tudo em ordem. Vão embora. O dia foi salvo e nós acabámos a comer a pizza no sofá, assistindo ao filme “Doutor Estranho”, num canal qualquer de televisão.

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29/07/2024

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Tainara Machado

Tainara Fernandes Machado nasceu em Porto Alegre, no Sul do Brasil e, desde fevereiro de 2019, vive em Portugal. Socióloga e educadora é, igualmente, ativista feminista e assumida anticapitalista e pelo combate à precariedade laboral e da vida. Colabora na associação A Coletiva (Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis) e no Coletivo Andorinha, e também como investigadora colaboradora do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto. As suas reflexões expressam os seus estudos, a ação ativista, a sua vida de (i)migrante e as travessias entre o Brasil e Portugal.

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