A escorrer pelos dedos

 A escorrer pelos dedos

(Créditos fotográficos: Gabriella Clare Marino – Unsplash)

A transição do ano velho para o ano novo é sempre um período de reflexões e para enumerarmos metas a serem cumpridas ou apenas deixadas de lado, bem como para expressarmos afetos que deixaram de ser comunicados ao longo do ano que termina. É, pois, uma nova oportunidade para sermos mais empáticos e para festejarmos. Não importa o país, esse rito de passagem de um ano para o outro faz parte da vida de qualquer pessoa.

(Imagem gerada por IA – freepik.com)

Apesar de os ritos serem parte das culturas, para quem é (i)migrante esse período pode ser vivido com o sentimento de falta. Podemos estar rodeados de amizades, de pessoas próximas ou nem tão próximas, mas presentes. Porém, sempre parece que falta algo. É claro que comigo não foi diferente. No meu caso, a falta do suor escorrendo pelas costas, no calor do Verão que assola o Hemisfério Sul, e pular as sete ondas no dia da virada do ano ainda me causam impressão. Entretanto, neste ano, o gosto de ter comigo uma parte da família contribuiu para encher um pouco o potinho da falta.

Para além de todo esse sentimento de renovação, de transformação e da possibilidade de ser diferente no ano que chega, eu tenho a sensação de que as verdadeiras mudanças estão sempre a escorrer pelos nossos dedos. Não conseguimos agarrá-las e dizer: “Quieta, agora vai!” As guerras, as falsas culpabilizações de pessoas estrangeiras por problemas estruturais das cidades, a inércia em relação às transformações de produção e de consumo que são necessárias porque não temos um planeta B. Pensando assim, parecem questões gigantes ou “macro” que, individualmente, julgamos não serem passíveis da nossa atuação. E, para mim, é aí que está o grande cerne do capitalismo neoliberal.

(Imagem gerada por IA – freepik.com)

Somos induzidos a pensar no que é mais conveniente para nós enquanto indivíduos, como se só o “eu” fosse o importante, negligenciando o conveniente para todas as pessoas: “Só tenho arbítrio pelo meu eu e, por isso, me abstenho de pensar no coletivo, porque não adianta nada.” Será?

As mudanças, isto é, a força de transformar vem da união e da dinâmica de um coletivo. Deve permitir-se construir coletivamente, pelo consenso do que é importante para um grupo de pessoas. A luta por direitos, a construção de leis, as regras de convivência social são feitas por grupos de pessoas, pensando numa sociedade, ou seja, no coletivo de cidadãos. A falsa ideia de que somos, apenas, responsáveis pela esfera individual é um grande mote para nos desorganizar, enfraquecer e colocar umas pessoas contra as outras.

(Imagem gerada por IA – canva.com)

Aqui e em qualquer outro lugar, parece que a mobilização coletiva está escorrendo pelas nossas mãos. Consideramos compreensível ficarmos cansados, indignados, frustrados com o descompromisso de outras pessoas, mas é necessário resistir.

O meu desejo de ano novo é que olhemos mais à volta, que enxerguemos a dimensão das situações, que paremos de culpabilizar quem não é o culpado e que tenhamos mais empatia e mais solidariedade. É urgente mudarmos o Mundo!

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27/01/2025

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Tainara Machado

Tainara Fernandes Machado nasceu em Porto Alegre, no Sul do Brasil e, desde fevereiro de 2019, vive em Portugal. Socióloga e educadora é, igualmente, ativista feminista e assumida anticapitalista e pelo combate à precariedade laboral e da vida. Colabora na associação A Coletiva (Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis) e no Coletivo Andorinha, e também como investigadora colaboradora do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto. As suas reflexões expressam os seus estudos, a ação ativista, a sua vida de (i)migrante e as travessias entre o Brasil e Portugal.

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