“Despacito”

(Créditos fotográficos: Michael Kahn – Unsplash)
Todos estamos cientes de que na base deste nosso mundo, onde tudo se passa a uma velocidade vertiginosa, estão as tecnologias da informação e da comunicação. O que acontece num qualquer ponto do globo, seja isso algo de muito bom ou de muito mau, é conhecido em todo o mundo instantes depois. Naturalmente, este facto tem impacto em todo o tipo de decisões económicas, sociais e políticas, pois as pessoas, as regiões e os países deixaram de estar relativamente isolados e passaram a ser não mais do que uma encruzilhada numa complexa rede de influências e de relações, assente na não menos complexa Internet. A tudo isto estamos já tão habituados que encaramos esta realidade com a maior das naturalidades e procuramos, logicamente, tirar disso o melhor partido possível. Fazem-no as pessoas, as empresas, todo o tipo de entidades, países e regiões.
Portugal não é, felizmente, exceção. Vivemos numa sociedade moderna, na qual as tecnologias são amplamente utilizadas em todos os setores de atividade, o que conduziu e conduz a enormes ganhos em termos de eficiência de processos e de procedimentos. Muito se tem investido na chamada informatização, que inúmeras pessoas confundem com desburocratização, embora não sejam, necessariamente, sinónimos (veja-se o meu artigo de 18 de março de 2024, “Burocracia desmaterializada”). Infelizmente, no entanto, a apregoada informatização e todas as promessas a ela associadas de pouco valem quando as mentalidades que estão por detrás dos processos e dos procedimentos parecem ter ficado numa época muito anterior à da generalização das tecnologias da informação e da comunicação.
É claro que a cuidada ponderação de decisões críticas não é compatível com a precipitação que, frequentemente, está associada a um imediato acesso à informação. Tomar decisões no instante em que se conhecem dados ou informações relativas a determinado assunto é o primeiro passo para decidir mal. Mais informação, obtida de forma instantânea, tantas vezes através de uma simples mensagem recebida no telemóvel, não significa melhor informação. De facto, quer a teoria quer a experiência demonstram que o ingrediente para melhorar a tomada de decisões consiste em saber distinguir entre informação e ruído informativo, entre o que é verdadeiramente importante e relevante e o que é acessório e supérfluo.

Porém, este cuidado na seleção da informação e na indispensável ponderação das decisões não deve ser utilizado como desculpa para não se atuar atempadamente, em contraponto com a celeridade do mundo atual. Não se deve confundir celeridade com precipitação. A primeira é um objetivo e, até, um dever. A segunda é um erro a evitar a todo o custo, que não pode, no entanto, ser usada como pretexto para um interminável arrastar de processos.
Uma utilização inteligente de meios e de informação deveria conduzir, por exemplo, a um mais eficiente e eficaz andamento da justiça. É assim em muitos países, onde os processos judiciais decorrem de forma célere e consentânea com as necessidades do mundo moderno, sem, como é suposto, se cair na precipitação. A justiça tem o seu tempo, mas esse tempo não pode nem deve ser o das décadas de 70 e de 80 do século passado. Por cá, todavia, somos constantemente confrontados com processos que se arrastam ao longo de décadas e com constantes prescrições (ou perdas do direito de acionar judicialmente) devido à incapacidade de o sistema funcionar em tempo útil. Na realidade, não existe justiça lenta, pois quando esta se torna lenta perde, simultaneamente, o atributo de justiça.
Algo similar se passa com os processos eleitorais. As relativamente recentes eleições em França e no Reino Unido foram convocadas com poucas semanas de antecedência. No caso do Reino Unido, as eleições decorreram numa quinta-feira, na sexta-feira foi indigitado o novo primeiro-ministro e no sábado já este estava a trabalhar no n.º 10 de Downing Street. Por cá, também tivemos eleições, mas o processo foi “ligeiramente” mais longo, arrastando-se por cinco meses: a 7 de novembro de 2023, António Costa anuncia pedido de demissão; em 7 de dezembro, o Presidente da República oficializa a demissão do governo; em 10 de março de 2024, ocorrem as eleições; e, em 2 de abril de 2024, dá-se a tomada de posse do XXIV Governo Constitucional. É caso para perguntar: por que teimamos em não perceber que o mundo de hoje é muito diferente do que existia há 40 ou há 50 anos?

A utilização generalizada das tecnologias da informação e comunicação provocou uma revolução na nossa sociedade e ofereceu-nos oportunidades para melhorar, para fazer mais e melhor em menos tempo. Investe-se – e bem – muito dinheiro e esforço a informatizar sistemas e a desmaterializar processos. Contudo, nalguns casos, essa informatização limita-se ao suporte da informação e não a uma agilização de processos compatível com a dinâmica do mundo real. Estaremos condenados a viver num país onde áreas fundamentais da democracia continuam a andar devagarinho (despacito, como diriam os nossos irmãos castelhanos), só porque sempre foi assim? Também nesta matéria precisamos de uma revolução.
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07/11/2024