Estafetas em luta contra a Glovo

 Estafetas em luta contra a Glovo

A ACT tem realizado várias operações de fiscalização a estafetas das plataformas digitais no Porto e em Lisboa. A Agenda para o Trabalho Digno, que entrou em vigor a 1 de Maio deste ano, trouxe mais protecção legal para os estafetas de plataformas digitais. (cnnportugal.iol.pt)

Na última semana, pela primeira vez em Portugal, houve uma audiência de conciliação de um processo para o reconhecimento de vínculo contratual entre um estafeta e uma plataforma, nomeadamente a Glovo. Esta aconteceu após o cancelamento, sem justificativas, da primeira audiência agendada para 5 de julho. Entretanto, o resultado não pode ser considerado positivo para nenhum dos lados, uma vez que ainda não houve acordo das partes. A próxima, e última, audiência de conciliação foi marcada para após o recesso judicial, em setembro. O processo foi aberto após o estafeta ter sido demitido, depois de participar num protesto dos “Estafetas em Luta” por melhores condições de trabalhos, conforme informa a Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis, em nota numa rede social.

Apesar de ainda estar sob um desfecho incerto, a iniciativa judicial abre, também, novos caminhos reflexivos. O processo judicial surgiu dois meses após as alterações à legislação laboral (que entrou em vigor no dia 1 de Maio de 2023), a qual prevê um regime específico de presunção de laboralidade para as relações de trabalho na economia das plataformas, conforme a Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho aprovada e publicada a 3 de Abril, no Diário da República. É previsto um conjunto de seis indíces, que convergem em fixar a retribuição por parte da plataforma, formas de supervisão, controlo ou restrição da autonomia da pessoa que trabalha, ao definir o seu horário laboral. Num primeiro momento, esta alteração pode parecer pequena, mas abre possibilidade na disputa de estafetas pelos seus direitos em relação às plataformas. Reafirmando a importância da primeira audiência, acontecida no dia 13 de julho, pode esta ser considerada como um pequeno avanço na luta por direitos laborais de estafetas.

(cgtp.pt)

É notório o aumento do número de estafetas, anualmente, em Portugal, assim como a arrecadação de lucros das empresas desse setor das plataformas. Observando a adesão de um grupo diverso de pessoas trabalhadoras – desde estudantes a pessoas mais velhas –, o vínculo operante dá-se pela designação de “trabalhador independente”, mas o objetivo é que a Glovo, neste caso, integre os estafetas como trabalhadores dependentes. Apesar de uma parcela deste setor poder afirmar que este é um complemento da renda, é percetível que a outra grande parcela é (i)migrante. Ou seja, está mais vulnerável no acesso pelos seus direitos. E, consequentemente, pouco motivado para lutar por estes, uma vez que estar na condição de estafeta pode ser a porta de acesso a direitos de residência no país, e de uma vida mais digna  Ou, ainda, ser a fonte de subsistência de si e de demais familiares que podem estar a viver em condições de vulnerabilidade.

Cerca de 50 estafetas da empresa Glovo concentraram-se na Praça do Comércio, em Lisboa, a 7 de Fevereiro de 2020, em protesto contra os salários em atraso. (abrilabril.pt)

Em contrapartida, só recentemente a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) manifestou-se no sentido de haver irregularidades contratuais, mas, também, de registo junto a Autoridade Tributária. Ainda não houve, por parte do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, uma informação acerca do número exato de estafetas abordados, além da declaração da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, que diz ser, pelo menos, metade das pessoas abordadas (conforme o Expresso).

Nos últimos meses, tem-se intensificado o movimento de luta dos estafetas por condições mais dignas de trabalho. Entre as principais reclamações, em relação à audiência de conciliação, estão a exigência que os tribunais portugueses reconheçam a relação de trabalho subordinado dos estafetas com as plataformas digitais, o acesso a um contrato de trabalho e todos os direitos sociais associados. Além disso, denunciam a retaliação aos estafetas que se têm mobilizado. Esses protestos são, também, um sintoma das mudanças realizadas pelas plataformas de entregas, desde Abril, relativamente ao funcionamento e à forma de relacionamento com os estafetas.

Os rumos da última audiência de conciliação continuam em suspenso, até Setembro. Entretanto, o movimento de luta de estafetas em Portugal está em plena ebulição, apesar da grande diversidade das pessoas desse setor. A importância na garantia e na luta de direitos laborais no setor das plataformas digitais é reforçada ao ir contra a maré de exploração sem freios das grandes empresas, no Mundo. E, quem sabe, estamos a apontar para um rumo de mais dignidade laboral neste setor em Portugal.

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20/07/2023

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Tainara Machado

Tainara Fernandes Machado nasceu em Porto Alegre, no Sul do Brasil e, desde fevereiro de 2019, vive em Portugal. Socióloga e educadora é, igualmente, ativista feminista e assumida anticapitalista e pelo combate à precariedade laboral e da vida. Colabora na associação A Coletiva (Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis) e no Coletivo Andorinha, e também como investigadora colaboradora do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto. As suas reflexões expressam os seus estudos, a ação ativista, a sua vida de (i)migrante e as travessias entre o Brasil e Portugal.

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