Imprensa regional e o populismo mentiroso

 Imprensa regional e o populismo mentiroso

(Créditos fotográficos: Piratedea – Unsplash)

Ninguém, como a imprensa regional, terá o potencial de eficácia para desmontar o discurso populista e mentiroso vigente. Num contexto em que os jornais locais, impressos ou em formato digital, vivem dias difíceis, a atual praga de desinformação, de mentiras e de ódio pode ser um fator de redinamização da informação de proximidade, assim ela saiba desempenhar o seu papel e aproveitar as oportunidades.

(erc.pt)

“Para garantir uma esfera pública verdadeiramente democrática, precisamos reconstruir a camada base da democracia — as notícias locais”. A afirmação é de Jonathan Heawood, diretor-executivo da Public Interest News Foundation, que a produziu numa sintética comunicação em 28 de setembro deste ano, Dia Internacional do Jornalismo.

Esta declaração está em linha com muitas outras das mais variadas geografias, que, nos últimos meses, têm vindo a público defender a importância do jornalismo local. Um estudo publicado recentemente pela Press Forward revela que “mais de 90% dos norte-americanos dizem que informações locais confiáveis são essenciais para a democracia”, o que confirma as conclusões de um outro inquérito realizado pela Universidade Federal de Santa Catarina, no Brasil.

Em Portugal, os dados disponíveis referem, igualmente, que o jornalismo de proximidade tem níveis de confiança elevados, em muitos casos até superiores aos da chamada comunicação social nacional.

(apimprensa.pt)

Beneficiando, pois, deste capital de credibilidade, a imprensa regional portuguesa, generalizadamente frágil do ponto de vista financeiro, tem hoje uma oportunidade de afirmação editorial suscetível de produzir um impacto inesperadamente positivo nas suas contas. Essa oportunidade representa também, a meu ver, o seu maior desafio, no sentido em que lhe é exigido que cumpra o papel social que lhe está cometido.

Refiro-me à função única e privilegiada que possui, para jornalisticamente desmontar o caudal de mentiras e de desinformação que as versões populistas e radicais de direita vêm inoculando na esfera pública. A sua relação de proximidade com as respetivas comunidades e os múltiplos e fortes elos existentes entre esses meios e os cidadãos que diariamente servem, constituem sólidos elementos de confiança, forjados no conhecimento recíproco de cada um dos seus microcosmos.

Daí que perante frases do género “nada mudou em 50 anos” ou, como reiteradamente afirma André Ventura, “pobres estamos há 50 anos”, o jornalismo de proximidade tenha o dever de, através de reportagens e de entrevistas, cotejar a realidade da sua localidade há meio século com a realidade atual. Comparar os níveis de escolaridade, por exemplo, bem como o acesso à saúde e ao ensino superior, os rendimentos médios, os avanços no saneamento básico local, as infraestruturas escolares, desportivas e de lazer entretanto construídas, os centros de saúde que passaram a existir, a qualidade na habitação, o acesso aos mais variados tipos de bens de consumo, etc., etc., etc.

 (localmediapt.wordpress.com)

Quando, muitas vezes, se ouve dizer – especialmente em momentos de crise aguda, de encerramento de empresas de media ou de despedimentos coletivos – que, sem um jornalismo forte, a democracia fica mais fraca, seria bom que esse mesmo jornalismo, neste caso o de proximidade, fizesse jus a esse slogan. Ou seja, perante os ataques e as mentiras que setores da vida nacional estão a mover contra as instituições democráticas e a ideia de democracia, como se esta fosse o pior dos males, seria desejável – e daí a oportunidade – que a imprensa regional, no âmbito do seu papel social, fosse um veículo de reposição de verdades.

Afinal, para que serve o jornalismo, se não for, justamente, para fazer uma separação entre as águas límpidas da verdade dos factos e as águas turvas da mentira e da desinformação? Estabelecendo e mostrando essas diferenças, facilmente reconhecidas também pelos seus públicos, uma vez coexistirem no mesmo espaço de comunidade, o jornalismo de proximidade estaria a prestar um serviço inestimável à democracia e ao cabal esclarecimento dos seus leitores e concidadãos. E estaria, ao mesmo tempo, a evidenciar a sua relevância informativa, com expectável impacto positivo ao nível da leitura e das contas.

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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06/10/2025

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João Figueira

João Figueira é doutorado em Ciências da Comunicação e professor de Jornalismo na Universidade de Coimbra. É autor de vasta bibliografia sobre jornalismo, editada em Portugal e no estrangeiro, e co-organizador da obra "As fake news e a nova ordem (des)informativa na era da pós-verdade". As questões ligadas com a História do Jornalismo e dos "media"; com a desinformação/manipulação; e com as relações entre Jornalismo e Democracia, constituem as suas principais fontes de interesse académico. Como jornalista, recebeu vários prémios e distinções, de que se destaca o Prémio de Reportagem/Jornalismo atribuído, em 1999, pelo Clube Português de Imprensa. É co-fundador do jornal "sinalAberto", tendo sido o seu primeiro diretor.

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