Manu Chao: a voz dos sem-voz

 Manu Chao: a voz dos sem-voz

Manu Chao prefere as salas pequenas e intimistas. E é aí que interpreta temas como “Otro Mundo”, “Veneno”, “Mi Libertad”, “Próxima Estación” e “Esperanza”. (facebook.com)

Manu Chao (Paris, 1961) é a voz dos sem-voz. Basta ouvir “Clandestino” para o confirmar. O artista franco-espanhol, que escolheu há muito o seu lado, recusa actuar nos festivais da moda1. Prefere fazê-lo em bares e junto daqueles que travam uma luta constante pela sobrevivência. Apoia causas minoritárias e dá-nos canções recheadas de poesia e de melancolia.

Manu Chao é um artista franco-espanhol que recusa actuar nos festivais da moda. (facebook.com)

Filho do jornalista e escritor galego Ramón Chao2, Manu deu-se a conhecer em 1998, num projecto chamado La Feria de Las Mentiras – um festival que reuniu malabaristas, DJ, cantores, músicos e gente do teatro. O festival teve como palco o Mercado de Gado de Salgueiriños, em Santiago de Compostela.

Os bilhetes custavam 30 euros, mas Manu Chao ajudou alguns clandestinos a entrarem no recinto: “Venham, venham, rápido, passem!” Chao estava de capuz e os penetras nem o reconheceram. Apesar da sua condição de co-organizador, o cantor deu azo ao seu “espírito indómito, temerário e contraditório”.

Manu Chao não tem editora nem faz digressões. Oferecem-lhe contratos para actuar nos mais conhecidos festivais do Mundo, mas recusa. Não dá entrevistas. Agora, não lança discos. Não aparece para receber prémios. Não usa telemóvel. Vive num modesto apartamento de 80 metros quadrados, em Barcelona, e compra roupa em segunda mão. Mas tem uma enorme legião de fãs, que adoram as canções que torna públicas nas redes sociais: https://www.manuchao.net/

Chao curte cantar num bar de bairro sem avisar. E também de se apresentar sob outro nome que não o seu. Apesar disso, o que canta já o levou a actuar em geografias tão longínquas como a Índia, Bangladesh, Sri Lanka ou Filipinas, por exemplo. Prefere as salas pequenas e intimistas. E é aí que interpreta temas como “Otro Mundo”, “Veneno”, “Mi Libertad”, “Próxima Estación” e “Esperanza”. 

Manu Chao não tem editora nem faz digressões. (facebook.com)

Decididamente, o artista virou as costas ao sistema que fabrica as vedetas. Enterrou a música desordeira que o grupo Mano Negra, a sua antiga banda, interpretava e optou pela melancolia, pela verdade e pela sinceridade. “Tudo parece fácil, mas tem uma grande complexidade”, observou a cantora Amparo Sánchez, à edição brasileira do diário El País. Ela conhece bem Chao e, por isso, acrescentou: “É um artista crucial para entender o devir do rock na América Latina durante os anos oitenta e noventa. Também é um entroncamento entre a música europeia e [a] africana.”

Pese embora o sucesso do disco “Clandestino”, que vendeu milhões de cópias, Mano Chao não se deixou capturar pelo establishment e virou-lhe as costas. Canta apenas quando lhe apetece e para quem quer. Recusa assumir-se como líder antiglobalização, como muitos o consideram. “Esse movimento não necessita de líderes, se houver líderes é nefasto para o movimento. Essa etiqueta do líder do movimento eu rejeito”, afirmou numa entrevista colectiva em Valência, antes de um espectáculo, em Setembro de 2001.

Manu Chao é um homem absolutamente livre. É austero e surge sempre acompanhado do seu violão, envergando as suas eternas calças corsário e exibindo o seu sorriso aberto.  (facebook.com)

Mas os acossados sabem que sempre podem contar com ele. Sejam as lutas das pequenas comunidades ou as reivindicações salariais das trabalhadoras do Serviço de Atendimento Domiciliário (SAD) de Barcelona. Foi a Mendoza (na Argentina) clamar contra o fracking3 e contra a mineração em grande escala; e, no recente dia 15 de Julho, esteve na Galiza, onde apoiou os protestos contra a multinacional Altri, que quer construir uma fábrica de celulose, em Palas de Rey, na província de Lugo.

Manu Chao é um homem absolutamente livre. É austero e surge sempre acompanhado do seu violão, envergando as suas eternas calças corsário e exibindo o seu sorriso aberto. Chao tem baixa estatura, mas é firme na defesa da sua liberdade, sublinhando: “[É] minha companheira, minha liberdade, minha solidão.” Ouvir as suas canções é um imperativo social e político. Veja o que ele diz: https://www.manuchao.net/videos/salary-man

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Notas:

1 – Segundo João Carvalho, da promotora Ritmos, o artista recusou tocar no “Primavera Sound” e no festival ”Super Bock Super Rock”, preferindo actuar no Festival Contrasta, em Valença,  em Águeda e no Seixal, na última sexta-feira (19 de Julho). Estes concertos em Portugal antecipam o lançamento de um novo álbum, “Viva Tu”, o primeiro de Manu Chao em 17 anos.

 (facebook.com)

2 – Ramón Chao Vilalba (1935-2018) ganhou o Premio de Virtuosismo para Piano, em 1955. No mesmo ano, mudou-se para Paris (capital francesa), para estudar música com Nadia Boulanger e Lazare Lèvy. Em 1960, iniciou a sua colaboração com o RTF, de línguas ibéricas. Além de ter actuado na rádio, colaborou também com o semanário espanhol Triunfo e, mensalmente, com o Le Monde Diplomatique, além dos jornais Le Monde e La Voz de Galicia. Ramón Chao foi nomeado chevalier de Ordre des Arts et des Lettres , em 1991, e nomeado como director em 2004. Em 2003, o governo espanhol concedeu-lhe a Ordem del Mérito Civil. Em 1997, ganhou o Premio Galiza de la Comunicación. Em 2001, foi galardoado com o prémio Liberpress, em Gerona, pela sua contribuição, coerência e solidariedade no campo jornalístico.

3 Fracking ou fraturamento hidráulico é uma técnica de extração do gás de xisto ou folhelho realizada em reservatórios considerados não-convencionais.

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Fontes consultadas: Expresso; edição brasileira do El País, de Abril de 2020; e Wikipédia.

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22/07/2024

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Soares Novais

Porto (1954). Autor, editor, jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP). Publicou o romance “Português Suave” e o livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”. É um dos autores portugueses com obra publicada na colecção “Livro na Rua”, que é editada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Tem textos publicados no "Resistir.info" e em diversos sítios electrónicos da América Latina e do País Basco. É autor da coluna semanal “Sinais de Fogo” no blogue “A Viagem dos Argonautas”. Assina a crónica “Farpas e Cafunés”, na revista digital brasileira “Nós Fora dos Eixos”.

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