Razão e emoção
(Créditos fotográficos: Todd Kent – Unsplash)
Talvez a expressão matemática “(1 + √5)/2” – que estabelece que, depois de somarmos uma unidade com a raiz quadrada de cinco, dividimos o resultado por dois – meta medo a quem não é da área das Ciências Exatas e não diga absolutamente nada a quem é de Artes e Humanidades. Por outro lado, talvez a “Última Ceia” ou o “Homem de Vitrúvio” de Leonardo da Vinci, ou o “Nascimento de Vénus” de Sandro Botticelli, ou, ainda, os “Banhistas em Asnières” de Georges Seurat, nada digam a um engenheiro ou cientista. Mas a verdade é que, de forma surpreendente para muitos, a relação entre tudo isto é extremamente forte.
A ideia de que existe uma fronteira, aparentemente intransponível, entre as artes, por um lado, e as ciências, tecnologias, engenharias e matemáticas, por outro, instalou-se há várias décadas na nossa sociedade. Numa época relativamente recente e, infelizmente, durante um período demasiado longo, defendeu-se a crença de que o desenvolvimento económico e social só podia ocorrer através das chamadas STEM (Science, Technology, Engineering, and Mathematics). Por isso, investiu-se fortemente na formação dos jovens nestas áreas, deixando-se quase ao abandono tudo o resto. De que serviria gastar tempo e dinheiro na formação em Arte, Filosofia, História e Literatura, se a inovação, o progresso e os empregos estavam nas chamadas STEM? Felizmente, muitos perceberam, desde cedo, o equívoco por detrás desse tipo de raciocínio, e hoje a opinião geral é, cada vez mais, outra.
Curiosamente, a noção de que a sensibilidade artística e a curiosidade científica estão profundamente ligadas é bastante antiga. À sua maneira, ambas têm por objetivos compreender e interpretar o Mundo e, também, modificá-lo e exprimi-lo. É claro que as Ciências assentam, essencialmente na lógica, na experimentação, na resolução de problemas, enquanto que as Artes recorrem, em regra, à imaginação, às emoções e à estética. Mas há casos em que esta divisão se esbate, até desaparecer quase por completo. Historicamente, encontramos vários exemplos de grandes figuras que encaravam a Arte e as Ciências como lentes complementares através das quais se poderia ver a unidade do Mundo. São exemplos Leonardo da Vinci, Goethe e Humboldt, mas muitos mais existem.

É claro que alguns dirão, de imediato, que isso era antigamente, que os tempos são outros, mais tecnológicos e menos filosóficos. Mas, olhando para a atualidade, elaboremos, brevemente, sobre a necessária, útil e, até, indispensável interligação entre as Ciências Exatas e as Artes e Humanidades. Tomemos como exemplos a Engenharia – puxando a brasa à minha sardinha – e as Artes, sem que isso seja um obstáculo a que os argumentos se apliquem a outros casos. Como pode um engenheiro beneficiar da Arte, e como pode um artista beneficiar, por exemplo, das Tecnologias da Informação e Comunicação?
A Arte promove o pensamento divergente, a capacidade de gerar múltiplas abordagens para um problema. Em Engenharia, na qual muitos desafios são abertos, esse tipo de pensamento flexível pode levar a projetos inovadores, algoritmos novos e soluções elegantes e, até, surpreendentes. Além disso, os artistas consideram naturalmente a estética, a emoção e a experiência humana. Quando os engenheiros integram estas dimensões, produzem tecnologia e soluções que parecem intuitivas e humanas. Note-se, ainda, que o processo de criação artística envolve incerteza, iteração e julgamento subjetivo. Isto cultiva a tolerância à ambiguidade, uma característica essencial tanto na exploração científica quanto no desenvolvimento de software.

É claro que, por outro lado, as Artes e Humanidades podem beneficiar enormemente das Ciências Exatas. As tecnologias digitais, a modelação 3D, a visualização de dados e a Inteligência Artificial estão a auxiliar e a revolucionar a prática criativa. As STEM promovem o rigor analítico, permitindo que os artistas compreendam em detalhe aspetos como proporção, perspetiva, acústica, materiais, teoria das cores e composição, fortemente assentes na Física e na Matemática.
E é assim que chegamos, agora, ao tópico de abertura deste texto. A expressão matemática aí referida não é nada mais, nada menos, do que a famosa proporção áurea, também conhecida como proporção divina, cujo valor aproximado é 1,618. Essa proporção é, há muito tempo, associada ao equilíbrio estético e à harmonia visual, e está presente não só nas referidas obras de arte mas, também, em incontáveis outras, incluindo muitos edifícios projetados por Le Corbusier. Está, também, no mundo natural, na forma como as sementes de girassol se organizam na flor, em variadíssimas plantas e animais que nos rodeiam e, ainda, em nós próprios, pois estabelece a generalidade das proporções do nosso corpo, tal como Leonardo da Vinci o demonstrou com o seu “Homem de Vitrúvio”.

No nosso mundo, nas nossas vidas, no nosso corpo, temos embutidos os princípios universais que encontramos quer nas STEM quer nas Artes e Humanidades. O pensamento divergente gera associações e possibilidades inovadoras, normalmente associadas aos processos artísticos, enquanto o pensamento convergente seleciona e refina ideias tendo em vista uma solução coerente, típica do raciocínio científico. Mas, na prática, ambas as formas de pensamento coexistem em qualquer ato inovador. Um cientista que formula uma nova hipótese e um artista que compõe uma estrutura visual envolvem-se em ciclos de experimentação, reflexão e revisão. Isto sugere que fomentar a criatividade artística pode despoletar a inovação científica e, inversamente, que o conhecimento científico pode enriquecer a produção artística.
Desta dualidade nasce o conceito e, simultaneamente, a tendência pedagógica, STEAM (Science, Technology, Engineering, Arts, and Mathematics), que não é mais do que a inclusão de Artes e Humanidades em curricula STEM. O STEAM representa uma tendência de educação holística, que combina práticas artísticas com formação científica, no sentido de lidar com os desafios do mundo atual, que são, simultaneamente, técnicos, sociais e éticos.
Esta convergência resulta do reconhecimento de que a criatividade é um dos motores fundamentais do progresso humano. A curiosidade, a imaginação e a procura de significados guiam o nosso intelecto, quer seja na construção de algoritmos, na composição de sinfonias, no desenho de circuitos ou na elaboração de uma obra de arte.
É por isso que, se nos diferentes graus de ensino eliminarmos fronteiras artificiais e promovermos a integração entre os domínios técnico e artístico, fomentaremos uma cultura de inovação eminentemente humana, capaz de compatibilizar a razão com a emoção e a funcionalidade com a beleza.
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03/11/2025