Uma rainha e três primeiras-ministras
Imagino que não tem nada a ver comigo, mas tenho visto poucos governos estáveis por onde passo. Na Catalunha, passei por várias eleições, governos locais pouco ativos e muitas manifestações. Chego a Londres e o primeiro-ministro, Boris Johnson, é obrigado a abandonar o seu cargo e substituído por Liz Truss (Elizabeth Mary Truss). O que ninguém esperava – nem eu nem a Liz – era que, dias depois da sua tomada de posse, a rainha de Inglaterra, Isabel II, falecesse.
Se a tomada de posse de Truss já me tinha feito pensar em escrever sobre as mulheres que chegaram ao cargo civil mais alto do Reino Unido (Theresa May e Margaret Thatcher, além da nova primeira-ministra), a morte e o legado da rainha abrem outra perspetiva em relação a lideranças no feminino, que já são uma tradição do Reino Unido. Antes de Isabel II, a rainha Vitória e a sua época dominaram o Mundo (para bem e para mal). Antes de Truss, Thatcher e May deixaram a sua marca na História da Grã-Bretanha. Thatcher, ao lado de Reagan, abriu o Mundo ao neoliberalismo e May assumiu a tarefa de concretizar o Brexit.
Conservadoras de mão-cheia, heroínas para uns, vilãs para outros, estas primeiras-ministras estão unidas por um triste facto: a sua baixa popularidade. Thatcher contribuiu para um novo rumo da ordem mundial, mas ganhou inimigos eternos com o sofrimento que criou na classe operária do Reino Unido. May – apesar de originalmente estar contra – finalizou a saída da União Europeia e colocou o país mais longe do continente, num acordo que ainda dará muito que falar. Truss vai pelo mesmo caminho. Assumiu as rédeas do país no meio de uma crise energética com um inverno à porta e, logo depois do enterro da rainha, decidiu priorizar políticas financeiras que beneficiam os mais ricos, afundando a libra, nesse caminho. São prioridades!
É interessante comparar estes exemplos com o de Isabel II, uma figura silenciosa, mas constante. Estima-se que cerca de 250 mil pessoas fizeram fila, por várias horas, para se despedirem da monarca, diante da sua urna. Esse foi um dos muitos exemplos de devoção e de tristeza pela morte da rainha, bem como um sinal claro da sua popularidade. Nem todos são fãs da monarquia, mas Isabel II acabou por tornar-se uma figura de poder tão consensual quanto é possível.
A sua longevidade como figura de proa do país ajuda a explicar este fenómeno. Ela foi rainha tanto tempo que Londres lhe dedicou duas linhas de metro: a Elizabeth line, inaugurada em maio de 2022, com o seu nome, e a Jubilee line, cujo nome celebra o jubileu da ascensão da rainha, criada em 1977. Ou seja, há 45 anos, a rainha já celebrava efemérides!
Contudo, a sua popularidade vem também de um aspeto curioso para uma figura de Estado: Isabel II raramente se envolvia abertamente nas questões políticas. Thatcher, May e Truss, todas tiveram de prestar vassalagem a Isabel II para ter direito ao cargo. Todas defenderam (ou defendem) políticas que as deixarão para ser julgadas pela História. A rainha acedeu a todas e, por isso, abriu-lhes o caminho, mas nunca teve de arcar nenhuma da responsabilidade real. De certeza, qualquer presidente da República gostaria de ter a mesma sorte, na hora de conduzir governos.
Ao olhar para estas figuras, apercebo-me de que é pouco comum poder escrever sobre política utilizando apenas nomes femininos. Por muito intrigante que seja a circunstância de todas terem vindo do lado conservador da política britânica, é impossível não ficar alheio ao facto de o Reino Unido ter tido tantas mulheres nesta posição. Sem esquecer, claro, que a Escócia também é liderada no feminino.
Fico curioso para ver quando é que, em Portugal, se vai poder escrever uma história assim, encontrando uma sucessora para Maria de Lourdes Pintasilgo. Primeira-ministra entre agosto de 1979 e janeiro de 1980, fez história na época, sendo a segunda primeira-ministra a exercer funções num país europeu. A primeira, Margaret Thatcher, tomou posse apenas dois meses antes. Desde então, Manuela Ferreira Leite esteve próxima e Assunção Cristas, Marisa Matias ou Ana Gomes também deixaram a sua marca. Resta ver de onde sairá alguém com o carisma necessário para dar novamente a Portugal uma chefia de Estado no feminino.
06/10/2022