Faianças e a arte cerâmica das Caldas da Rainha
Faianças
Tipo bastante comum de cerâmica branca ou de cor marfim, a faiança é menos rica em caulino do que a porcelana. Na sua composição, além do caulino, incorpora, geralmente, uma argila esmectítica, mais gorda (plástica), que lhe dá a moldabilidade pretendida, bem como areia e um descolorante.
Sendo um corpo poroso, com uma capacidade de absorção de água, frequentemente, superior a 3%, necessita de ser vidrado. O que é feito, posteriormente à cozedura, a temperaturas variando entre 900°C e 1250°C – mais baixas, portanto, do que as usadas na indústria do caulino. O termo que deu nome a este tipo de cerâmica radica em Faença (Faenza), nome da cidade italiana, da província da Ravena, que foi um importante centro cerâmico do Renascimento.
Pelo facto de ser produzida com exigências técnicas superiores às do barro vermelho e de se caracterizar por relativa brancura, a faiança foi, desde sempre, considerada um material mais nobre de que o dito barro vermelho. Produto tradicional português, a sua variedade é imensa, quer como baixelas de mesa (serviços de jantar, de chá e de café), pratos, travessas e outras peças decorativas; quer como azulejos, usados, desde o século XVI, no revestimento de paredes interiores e exteriores.
Segundo se julga saber, este tipo de cerâmica remonta ao século IX a.C., sendo já então conhecida no Egipto e na Mesopotâmia. Foi a partir destas civilizações da Antiguidade que chegou ao Sul da Península, trazido pelos Árabes. Foram os artesãos andaluzes que, em começos do século XVI, o introduziram em Portugal, com uma loiça de cor mais próxima do marfim do que branca, vidrada, adjectivada de malagueira, do nome de Málaga, a cidade do Sul de Espanha.
Com muito escassa ou nenhuma decoração, esta faiança, ainda muito fruste e, como tal, relativamente barata e de uso corrente, manteve-se em produção até aos começos do século XIX.
Com a vinda para Lisboa de oleiros flamengos, em meados do século XVI, registou-se notável desenvolvimento nesta outra arte cerâmica, alastrando, depois, para Coimbra e para Vila Nova de Gaia.
Na primeira metade do século XVII, a faiança portuguesa, ainda uma manufactura, experimenta um melhoramento na qualidade da produção, focando, sobretudo, motivos ornamentais do Oriente, expressos em pintura em tons de azul-cobalto.
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Entre o século XVII e começos do século XIX, foram criadas em Portugal dezenas de fábricas de faiança, dispersas por Lisboa, Porto, Coimbra, Aveiro, Viana do Castelo, Caldas da Rainha e Estremoz.
Vidrada e pintada manualmente com motivos tradicionais e outros, a faiança portuguesa atingiu elevada qualidade, bem demonstrada pela volumosa produção, em resposta a exigente procura.
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A arte cerâmica das Caldas da Rainha
As argilas sedimentares existentes na região Oeste, mais propriamente nas Caldas da Rainha, em quantidade e qualidade, estão na origem da arte cerâmica local, cujo início remonta ao século XV, ao tempo da criação do Hospital Termal, pela rainha Dona Leonor, mulher de D. João II, e acompanhou a história da cidade. Presença marcante nos dias de hoje, sobretudo como oferta turística, esta arte, bem conhecida dentro e fora das nossas fronteiras, está disponível em muitos estabelecimentos do comércio caldense e, em particular, no chamado “Mercado da Loiça”.
Intimamente ligada ao nome de Rafael Bordallo Pinheiro (1846-1905), autor consagrado da figura do “Zé Povinho”, o conhecidíssimo ícone nacional, a loiça produzida na empresa Faianças das Caldas da Rainha, de que foi director a partir de 1884, teve enorme desenvolvimento, marcado principalmente pela transição de peças utilitárias (baixelas de mesa e de cozinha) para outras de acentuado pendor artístico.
A chamada Rota Bordaliana é um itinerário estabelecido, destinado a conhecer o essencial da obra deste irmão de Columbano Bordallo Pinheiro e, ao mesmo tempo, a cidade que “privilegia as artes e os que nela trabalham”.
À importância económica desta actividade local, iniciada artesanalmente e hoje, em grande parte, industrializada, acresce o seu reconhecido interesse cultural, cabalmente afirmado, não só pelo muito que se tem estudado e escrito sobre ela, mas também pela existência de três espaços museológicos, onde está amplamente representada: o Museu da Cerâmica, o Museu José Malhoa e a Loja e Museu Bordallo Pinheiro.
Uma pequena, mas significativa parte da cerâmica caldense está representada pelo portuguesíssimo “manguito”, “Queres fiado? Toma!” e por uma apreciável colecção de falos de todos os tamanhos, a que muitos se referem como “malcriadices”.
Estas surgiram na segunda metade do século XIX, numa altura de crise no sector e foram a salvação para muitos pequenos ceramistas. A mais consensual explicação para o surgimento das referidas peças fálicas diz que foi obra da Fábrica de Manuel Gomes, o “Mafra”, por encomenda do Rei D. Luís, peças que muitos ceramistas do presente continuam a explorar.
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Nota da Redacção:
1 – Este artigo dá continuidade aos textos “Moldar o barro: da Pré-História aos dias de hoje”, “Barro vermelho”, “Bonecos de Estremoz, olaria corvalense, loiça do Redondo e cantarinhas de Nisa”, “Aldeia saloia de José Franco, figurado de Barcelos e barro preto de Bisalhães, de Molelos e de Ribolhos” e “Porcelanas”, todos da autoria de António Galopim de Carvalho e publicados, respectivamente, nas edições de 20/06/2024, de 24/06/2024, de 27/06/2024, de 01/07/2024 e de 04/07/2024.
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08/07/2024