Azulejaria e grés porcelânico

 Azulejaria e grés porcelânico

Porto (Créditos fotográficos: Eleni Afiontzi – Unsplash)

Azulejaria

Durante o século XIII, o invasor árabe introduziu, entre nós e em grande parte do território hoje espanhol, a decoração, originária do Egipto Antigo, à base de pequenos mosaicos cerâmicos (habilmente cortados a partir de uma peça maior de barro vidrado e de uma só cor), com o propósito de ornamentarem as paredes dos seus palácios. Azzellj, palavra de origem árabeque significa pequena pedra polida, era o termo então usado para designar o dito pequeno mosaico característico da arte bizantina e que, entre nós, evoluiu para azulejo. Qualificado como “uma das expressões mais fortes da Cultura em Portugal e uma das contribuições mais originais do génio dos Portugueses para a Cultura Universal”.

Hamedan, no Irão. (Créditos fotográficos: Ehsan Eslami – Unsplash)

O azulejo, tal como o produzimos aos milhões de unidades, é normalmente uma placa quadrada de faiança, de pouca espessura (pouco menos de um centímetro), tendo, por norma, a dimensão de 15×15 centímetros, com uma das faces geralmente plana, mas por vezes em relevo, decorada e vidrada, fruto da cozedura de um revestimento (esmalte), que o impermeabiliza e lhe dá brilho. Como via de representação de eventos e de elementos próprios da Cultura e da História portuguesas, o seu uso tornou-se quase obrigatório em interiores de igrejas, em palácios e em solares. No século XX, entrou na arte urbana, enriquecendo esteticamente aeroportos, estações de caminhos de ferro e de metropolitano, fachadas de prédios urbanos, viadutos rodoviários, jardins e outros espaços públicos.

História de Portugal reflectida nos azulejos, na cidade do Porto. (civitatis.com)

Ultrapassando, largamente, a mera função utilitária ou ornamental, o azulejo, tendo a faiança por suporte, guindou-se ao mundo da arte gráfica, irmanando-se, muitas vezes, com a arquitectura.

Azulejo alicatado em El-Hedine, de Marrocos.
(pt.wikipedia.org)

Comum em Espanha, em Itália, na Holanda (Países Baixos), na Turquia, no Irão e em Marrocos, foi, contudo, em Portugal que se elevou ao estatuto de criação artística no contexto universal.

As primeiras utilizações conhecidas do azulejo, em Portugal, como revestimento ornamental das paredes foram realizadas com azulejos hispano-árabes (mudéjar), importados de Sevilha, nos finais do século XV, em palácios e em igrejas. Mas, foi só na segunda metade do século seguinte, com inspiração na azulejaria italiana e com a vinda para Lisboa de oleiros flamengos, que se iniciou uma verdadeira produção portuguesa nesta arte cerâmica, ao longo de pouco mais de 500 anos.

Composição segundo a técnica do alicatado, no Palácio
Nacional de Sintra. (alzulaco.wordpress.com)

Depois de uma curta fase, entre finais do século XVI e começos do XVII, com a produção dos chamados “azulejos enxaquetados” (axadrezados) e dos “azulejos de padrão”, seguiu-se, ao longo do século XVII, o florescimento da produção do azulejo, com as encomendas da nobreza e do clero.

Multiplicam-se, então, as representações de viagens dos navegadores portugueses e de outros gloriosos feitos da História nacional, bem como de cenas religiosas, de caça, de faunas e floras exóticas, do quotidiano e outras mitológicas e satíricas, executadas por artífices anónimos e sem formação académica. Durante este período, a policromia foi dando lugar ao azul sobre fundo branco, numa clara influência da azulejaria holandesa e da porcelana oriental.

Azulejos hispano-mouriscos de aresta.
(alzulaco.wordpress.com)

Entenda-se por “azulejos enxaquetados” os que, agrupados, formam uma malha geométrica, em xadrez, utilizando elementos alternados de cores diferentes. E por “azulejos de padrão” os que, em grupos, formam uma determinada composição e que, depois de repetidos várias vezes, formam um padrão.

Foi só no alvor do século XVIII que o pintor de azulejos, assinando os próprios trabalhos, passou a ter o estatuto de artista. Desta fase, recordamos Nicolau de Freitas, Teotónio dos Santos e Valentim de Almeida, mestres do período áureo da nossa azulejaria, conhecido por Ciclo dos Mestres.

Os arquitectos passaram a procurar melhorar o uso de azulejos nos espaços dos edifícios. (portuguese-tiles.com)

Depois do terramoto de 1755, a reconstrução de Lisboa e a decoração dos novos edifícios criaram condições para o surgimento de outros azulejos de padrão, também adjectivados de “pombalinos”. A partir do século XIX, o azulejo ganha mais visibilidade, deixa de ser exclusivo de palácios e de igrejas, invadindo as fachadas dos edifícios, numa estreita relação com a arquitectura.

De então para cá, entra em cena a cerâmica industrial, dispondo de técnicas em modernização crescente, o que possibilitou grandes volumes de produção a preços muito mais baixos. Neste contexto, os azulejos de padrão produzidos por grandes fábricas (por exemplo, Viúva Lamego, Sacavém, Sant’Ana, Constância, Roseira Massarelos e Devesas) inundaram a construção civil (incluindo as paredes de cozinhas e de casas de banho) por todo o país. Em finais do século XIX, surgiu, prolongando-se até aos dias de hoje, um outro tipo de azulejo, com figurações assinadas por grandes nomes da pintura, como Rafael Bordallo Pinheiro, Jorge Barradas, Júlio Resende, Júlio Pomar, Sá Nogueira, Carlos Botelho, João Abel Manta, Eduardo Nery, Maria Keil e Lima de Freitas, entre outros.

Vestíbulo da entrada para o Auditório com painel de azulejo de Jorge Barradas, na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa. (restosdecoleccao.blogspot.com)

Pode dizer-se, em resumo e a concluir, que, desde sempre, o azulejo acompanhou as sucessivas correntes estéticas. Passando pelas do Renascimento e do Romantismo, deu visibilidade à “Arte Nova” e à “Art Déco”, continuando a sua longa e bela história pelos caminhos do Modernismo.

O Museu Nacional do Azulejo, instalado em Lisboa, no antigo Mosteiro da Madre de Deus, conserva um acervo representativo da azulejaria portuguesa produzida a partir da segunda metade do século XV.

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Grés porcelânico

O qualificativo “porcelânico”, acrescentado à palavra “grés”, é a melhor forma de dizer que se trata de um produto de composição muito semelhante à porcelana, ou seja, mistura de areia, essencialmente, de quartzo, de feldspatos e de argila com um alto teor em caulino. A argila aqui utilizada não necessita de ser tão pura (branca) quanto a exigida para a porcelana.

Casa com piso de grés porcelânico ou porcelanato. (pt.wikipedia.org)

Habitual e simplificadamente referido por grés, é um produto cerâmico de alta temperatura (coze entre 1200 ºC e 1300 ºC), surgido nos anos 80 do século passado. Totalmente vitrificado, duro (dureza próxima da do vidro) e impermeável, apresenta características que lhe conferem excelentes resistências mecânicas e químicas, importantes no uso quer como pavimentos (com boa resistência ao desgaste) ou como revestimentos, quer como baixelas de mesa e de cozinha.

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Nota da Redacção:

1 – Este artigo dá continuidade aos textos “Moldar o barro: da Pré-História aos dias de hoje”, “Barro vermelho”, “Bonecos de Estremoz, olaria corvalense, loiça do Redondo e cantarinhas de Nisa”, “Aldeia saloia de José Franco, figurado de Barcelos e barro preto de Bisalhães, de Molelos e de Ribolhos”, “Porcelanas” e de “Faianças e a arte cerâmica das Caldas da Rainha”, todos da autoria de António Galopim de Carvalho e publicados, respectivamente, nas edições de 20/06/2024, de 24/06/2024, de 27/06/2024, de 01/07/2024, de 04/07/2024 e de 08/07/2024.

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11/07/2024

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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