Em defesa da Escola Pública
Direi tantas vezes quantas as necessárias que a classe política, no seu todo, a quem os Capitães de Abril, há 50 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada”, entregaram os nossos destinos, está mais interessada nas lutas pelo poder, esquecendo-se de facultar conhecimento, civismo, cidadania, em suma, à sociedade liberta do sufoco em que vivera.
E, aqui, insisto em repetir que a Escola falhou completamente. Já o disse tantas vezes1 e a verdade é que os números não me desmentem.
Acontece que o eco deste falhanço, na opinião pública e nos media, fica demasiado aquém da urgência e da importância que a Educação e a Escola Pública deviam merecer. A generalidade dos pais, já “educados” na mesma Escola Pública, pródiga em distribuir diplomas, mas muito parca em facultar conhecimento, quer é que os filhos passem e, se possível, com boas notas.
Os governantes sabem muito bem o que deveriam fazer neste domínio da sociedade. Bastava adoptarem procedimentos de sucesso já experimentados noutros países. Será que não o podem fazer? É um facto que o poder do feiticeiro reside na ignorância dos seus irmãos tribais, o que, traduzido para a nossa sociedade, diz que, quanto mais ignorante for o povo mais fácil é governá-lo. Será que é isto o que tem vindo a acontecer?
Continuamos, alegremente, a desprezar o nosso maior património centrado na educação, na formação, na preparação dos alunos para uma cidadania plena. E não estou só nesta afirmação. Recordo, uma vez mais, as palavras do então primeiro-ministro António Costa, em 3 de Dezembro de 2017, na cerimónia de entrega dos prémios Manuel António da Mota, no Palácio da Bolsa, no Porto: “O maior défice que temos não é o défice das finanças, é o que acumulamos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação, de ausência de preparação. E é esse défice histórico que nós temos de vencer, se quisermos, e não podemos deixar de querer […] sermos melhores do que os melhores.”
Por vezes, começo a perder a esperança de ver a mudança tão desejada. Não quer dizer que baixe os braços e a prova disso é que estou aqui, uma vez mais, a “arregaçar as mangas.”
Comecei, em princípios deste mês e continuo a sondar algumas personalidades das ciências, da arte, da cultura e da política que possam subscrever um Manifesto para a Reforma da Educação passível de merecer a maior e melhor atenção por parte do Governo, da comunicação social e, mesmo, por parte de uma grande parcela da população que anda distraída.
Uma vez alcançado o acordo dos professores com o Ministério da Educação, Ciência e Inovação sobre a recuperação do tempo de serviço, tenho quase a certeza de que uma parte muito considerável da enorme massa humana que se manifestou nas ruas do país inteiro, se sinta confortavelmente satisfeita e desinteressada do problema, de maior importância, a nível nacional, que é a inegável degradação da Escola Pública. Estou mesmo em crer que a necessária e urgente Reforma da Educação não é sequer popular, nem para os alunos desmotivados e com diploma garantido (que os há em quantidade preocupante), nem para os maus professores (os tais que sempre recusaram as avaliações a sério), que não são assim tão poucos e que vêem na Escola um emprego assegurado até à aposentação. Neste capítulo, os sindicatos têm tido um papel contrário ao do interesse nacional, pondo ao mesmo nível os bons e os maus profissionais.
Por outro lado, receio que, concluído o citado acordo, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação se sinta desobrigado de atender às restantes reivindicações, as mais sérias e profundas, as que visam uma completa reforma deste importante pilar da sociedade que se deseja melhorar. Neste capítulo, será ainda preciso não esquecer que a liberdade de acção do ministro detentor da respectiva pasta (actualmente, é Fernando Alexandre) está condicionado pela política global do Governo, em particular da parcela do Orçamento Geral do Estado que lhe for concedida.
Mas, atenção, qualquer ministro ou secretário de Estado que aceite trabalhar no quadro de uma governação que lhe cerceie os meios necessários para desenvolver a política de Educação que se impõe, fica conivente com ela. Ponto final. É, para mim, evidente que os sucessivos ministérios da tutela só fizeram o que os seus governos permitiram. Todavia, também é verdade que foram coniventes com as limitações que lhes terão sido impostas.
Consciente desta degradação, dirigi, a 11 de Julho deste ano, ao secretário de Estado adjunto e da Educação, com cópia para o ministro da tutela, o documento intitulado “Escola Pública”.
Acontece que, seguindo as pisadas dos seus antecessores: “Moita-carrasco!”, que é uma maneira tradicional de dizer que “Suas Excelências” não responderam. É uma realidade muito nossa, a que eu já estou habituado. Os nossos governantes (com raras excepções) não respondem aos cidadãos. Via de regra, comportam-se como reis e senhores, de que nós somos simples vassalos que ousamos dirigi-lhes a palavra.
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Nota da Redacção:
1 – O presente artigo de opinião de António Marcos Galopim de Carvalho retoma um assunto já considerado nos textos “A degradação do nosso ensino público”, “Escola Pública”, “Escola Pública: carta aberta ao futuro Governo”, “A Escola Pública: 50 anos depois da liberdade em democracia” e “Ainda sobre a Escola Pública”, publicados, respectivamente, nas edições de 04/01/2024, de 12/02/2024, de 25/03/2024, de 18/07/2024 e de 22/07/2024.
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Nota do Director:
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01/08/2024